Sergio Lamucci, de São Paulo 06/01/2010
A política fiscal estimulou a atividade econômica em 2009 e vai continuar a impulsioná-la em 2010. A aposta generalizada é que os gastos não financeiros do governo federal deverão seguir em alta forte - ainda que possivelmente a um ritmo inferior ao de 2009 - e serão acompanhados pelas despesas de Estados e municípios, que no ano passado ficaram quase estagnadas em termos reais. A recuperação das receitas e as eleições explicam a expectativa de retorno dos gastos estaduais.
O economista-chefe da corretora Convenção, Fernando Montero, estima que os gastos da União e de Estados e municípios vão avançar a uma taxa semelhante neste ano, de 8%, já descontada a inflação. Isso equivale a um aumento de despesas de aproximadamente R$ 77 bilhões, considerando que os dispêndios das três esferas de governo representaram pouco mais de 31% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2009. De janeiro a novembro do ano passado, as despesas federais cresceram 10,5% sobre igual período de 2008, enquanto os gastos estaduais e municipais caíram 0,5% em termos reais, estima ele. No conjunto, uma alta real de 5,7% dos dispêndios das três esferas de governo, inferior à esperada por ele para este ano. "Em 2010, haverá uma sincronização das despesas federais, ainda crescendo muito, com a reaceleração dos gastos estaduais e municipais."
Somados, os gastos não financeiros da União (estimados em 18,7% do PIB em 2010) e de Estados e municípios (12,9% do PIB) correspondem a quase um terço do PIB, observa ele, usando um dado diferente daquele utilizado como consumo do governo dentro do PIB. "É uma fatia expressiva da economia avançando a um ritmo forte, em um ano em que haverá uma firme expansão do crédito e os juros estarão nos níveis mínimos para padrões brasileiros."
Do lado do governo federal, grande parte das despesas já está contratada. O salário mínimo, que corrige dois terços dos benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), vai subir 9,7% em 2010. É menos que os 12% do aumento do ano passado, mas o reajuste vai entrar no bolso dos beneficiários um mês antes - o novo valor vigora a partir de janeiro e será recebido em fevereiro. Além disso, o governo decidiu dar um aumento acima da inflação também para as aposentadorias superiores ao piso salarial, de 6,14%. De janeiro a novembro de 2009, os gastos previdenciários cresceram 7,4% acima da inflação em relação a igual período de 2008.
As despesas com funcionários públicos devem subir a um ritmo menos intenso do que em 2009, mas ainda assim vão aumentar. O economista-chefe do Credit Suisse, Nílson Teixeira, estima alta de 5,7% dos gastos com pessoal e encargos sociais, já descontada a inflação, abaixo dos 12,4% previstos para todo ano de 2009. Ele adverte, porém, que a projeção para 2010 pode ser superada, dependendo de um "possível aumento do número de servidores públicos". Para o total das despesas não financeiras do governo central, o Credit Suisse projeta alta real de 10,8% em 2009 e de 6,5% em 2010. Estimando crescimento do PIB de 6,5% em 2010, o banco vê uma elevação real de 13% da arrecadação federal no ano que vem.
Para o economista-chefe do Pátria Investimentos, Luís Fernando Lopes, a política fiscal do governo federal continuará expansionista no ano que vem, mas não tanto como em 2009, quando a receita caiu com força - tanto pela economia mais fraca quanto pelas desonerações tributárias - e as despesas dispararam. Ele estima que o superávit primário (receitas menos despesas, exceto gastos com juros) do setor público ficará em 1,5% do PIB em 2009, subindo para a casa de 2% do PIB em 2010, sem considerar aí eventuais abatimentos dos gastos com obras prioritárias de infraestrutura do Projeto Piloto de Investimentos (PPI), do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e do Minha Casa, Minha Vida.
A meta de superávit primário para 2010 é de 3,3% do PIB, com a possibilidade de que até 0,65% do PIB de despesas com investimentos seja descontado do cálculo. Para 2009, a meta é de 2,5% do PIB, com a permissão de abatimento de inversões de até 0,94% do PIB.
"Não é correto acreditar que em 2010 haverá uma deterioração fiscal igual à de 2009. A arrecadação vai aumentar e o aumento dos gastos correntes não deverá ocorrer na intensidade que ocorreu no ano passado, pois não existe a necessidade imperativa de evitar uma recessão", afirma Lopes. Ele ressalva, porém, que o desempenho das finanças de Estados e municípios pode ser um "contraponto à melhora do resultado primário do governo federal, principalmente dos Estados", já que haverá eleições também para governador.
Montero não tem dúvidas de que a combinação de receitas de Estados e municípios em alta com o ano eleitoral vai provocar a aceleração das despesas dos governos regionais, hoje represadas. Para ele, as receitas - tanto federais como estaduais e municipais - devem crescer cerca de 8% em termos reais em 2010, num cenário em que o PIB tende a avançar perto de 6%. Montero estima a variação dos gastos dos governos regionais (que não é publicada pelo Tesouro ou pelo Banco Central) com base na receita de impostos estaduais e municipais e no superávit primário desses entes da federação. Por diferença, chega ao comportamento das despesas.
Para o economista, o problema da forte expansão de gastos públicos em 2010 é que ela ocorrerá num ambiente em que há uma profusão de estímulos à atividade. Com juros básicos em 8,75% ao ano, um nível baixo para padrões brasileiros, a política monetária é expansionista. Há também uma ampla oferta de crédito, com os bancos privados correndo atrás do espaço perdido para os bancos públicos durante a crise. Nesse quadro, o ideal seria reduzir o estímulo fiscal, pois não há mais necessidade dele para incentivar a atividade econômica. Uma expansão menor dos gastos públicos abriria espaço para um avanço mais forte do consumo das famílias e do investimento, diz Montero, que vê como provável uma alta da taxa Selic no primeiro semestre.
Lopes também avalia que a política fiscal mais frouxa pode ter como saldo juros um pouco maiores do que num quadro de maior austeridade fiscal. "Com expansão menor de gastos, os juros podem subir menos", afirma. Ele vê a Selic em alta a partir do segundo semestre, fechando o ano em 10,75%.
O estudo "A Política Fiscal e as Taxas de Juros Domésticas nos Países Emergentes", dos economistas Ajax Moreira e Kátia Rocha, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), indica que um esforço fiscal mais forte pode de fato levar a juros mais baixos. Moreira e Kátia analisam um painel de 23 países emergentes (entre eles Brasil, China, Rússia, Índia, Chile e Argentina) entre 1996 e 2008, examinando o efeito das contas públicas sobre o nível dos juros.
"O resultado principal mostra que não é possível rejeitar a hipótese de que a austeridade fiscal determina o nível das taxas de juros domésticas, e que o efeito tem o sinal esperado, ou seja, um aumento de 1% na acumulação do superávit primário reduz os juros em aproximadamente 100 pontos-base [1 ponto percentual] - uma estimativa coerente com estudos similares realizados em países emergentes", escrevem eles.
Fonte: Valor Econômico
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