A contínua valorização cambial no ano está ampliando o custo das reservas internacionais do país. O impacto exclusivo da variação do câmbio sobre o custo de carregamento das reservas brasileiras em moeda estrangeira representou R$ 110,6 bilhões no ano até agosto, calcula o economista José Roberto Afonso, especialista em contas públicas da Unicamp. O número não inclui o diferencial de juros para aplicação das reservas no exterior. Segundo Afonso, o movimento cambial deste ano já reverte o lucro de R$ 171 bilhões auferido em 2008, quando o dólar se valorizou em relação ao real e chegou a bater R$ 2,33.
Segundo o economista, que trabalhou com dados do Banco Central, o efeito do câmbio foi "brutal" para o endividamento público, representando 45% do aumento da relação dívida líquida/PIB em 2009. Entre janeiro e agosto, a dívida pública saiu de 38,8% para 44% do Produto Interno Bruto (PIB), registrando uma dinâmica "péssima", segundo Afonso, para a solvência do Estado.
O acúmulo de reservas internacionais por parte do Banco Central ao mesmo tempo em que amplia a blindagem externa do país também deteriora o quadro fiscal do Estado e a discussão em torno de benefícios e prejuízos dessa política é acalorado no Brasil e fora.
Como as reservas são denominadas em dólares, a valorização do real ao longo de 2009 diminui o ativo brasileiro, ampliando o custo de carregamento. Até agosto, o real já tinha se valorizado 23,89% frente ao dólar, fechando aquele mês a R$ 1,88 e, desde então, apreciou-se mais 7,44 pontos percentuais, acumulando valorização de 33,95% no ano. Segundo projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI), que trabalha com o conceito de dívida bruta, o endividamento público brasileiro fechará o ano em 70% do PIB. Atualmente, essa relação está em 66%. "É a segunda maior relação entre os países emergentes, apenas a Índia, com 85%, nos supera", afirma Afonso.
Segundo Maurício Oreng, analista do Itaú, há uma mudança contábil na análise dos dados do BC, uma vez que as reservas cresceram e o real valorizou-se. Ou seja, a dívida aumentou por um movimento do câmbio, que subiu e desceu no período de 12 meses. No ano passado, diante da desvalorização cambial - que saltou de R$ 1,56 para R$ 2,33 entre agosto e dezembro - a dívida líquida sofreu retração.
"Essa deterioração fiscal deve ser debitada da conta do Banco Central, que ampliou enormemente a compra de dólares depois da crise", afirma Amir Khair, especialista em contas públicas. Segundo Khair, diante do impacto que a valorização cambial exerce sobre a dívida, o acúmulo de reservas acaba funcionando como "perda de patrimônio". Em sua opinião, as reservas são importantes, como a experiência da crise evidenciou, mas seu custo de carregamento é um demérito para o Estado.
Para ampliar o volume de reservas e, ao mesmo tempo, suavizar a derrocada do real, o Banco Central adquire os dólares que ingressam no país emitindo reais, que depois são esterelizados com a venda de títulos públicos. Os dólares são aplicados, em sua maior parte, nos títulos do Tesouro americano, os treasuries, que rendem pouco - a taxa básica de juros dos EUA está entre zero e 0,25% ao ano. O endividamento, no entanto, é construído sob títulos remunerados pela taxa Selic, atualmente em 8,75% ao ano. Quando as turbulências mundiais se intensificaram, no último trimestre do ano passado, as reservas brasileiras eram de US$ 205 bilhões. Nos dez meses até anteontem, o BC acumulou mais US$ 27 bilhões entre novas compras e a remuneração do estoque aplicado.
Segundo Khair, o dólar tende a perder valor nos próximos anos, diante da lenta recuperação da economia americana, e, com isso, deixa de ser estratégico como porto seguro para aplicações soberanas. Para ele, o Banco Central poderia trocar dólares por reais sem necessariamente emitir títulos públicos, diminuindo, assim, o aumento da dívida interna.
Segundo o economista, o ingresso de recursos para o país se tornará permanente nos próximos anos. "O Brasil é uma bomba de sucção de recursos externos. Temos juros altos, uma bolsa de valores atrativa, projetos para o pré-sal e eventos como Copa do Mundo e Jogos Olímpicos. O real valorizado é uma realidade e seu impacto sobre o endividamento é irreversível", afirma.
"O custo fiscal existe, afinal, o diferencial de juros não pode ser desprezado, mas os benefícios são amplamente superiores", afirma Roberto Padovani, estrategista do WestLB. Para Padovani, as reservas já demonstraram sua importância durante a crise mundial, quando sinalizaram que o país tinha dinheiro para honrar seus compromissos externos e eventuais fugas de capitais. "Não devemos olhar o custo para as contas públicas. As reservas são um prêmio de risco que devemos ter para transmitirmos segurança ao mercado internacional", diz. Segundo Padovani, diante do excesso de recursos, o governo deve continuar comprando divisas, depois remetidas ao exterior para fortalecerem as reservas. "Reservas maiores trazem mais investimentos internacionais que, por sua vez, implicam em mais emprego e, na ponta, em aumento da arrecadação", raciocina.
Para Afonso, uma parte do maior endividamento público neste ano pode ser também explicada pelas operações compromissadas do Banco Central. Nessas operações, o BC oferece títulos públicos ao sistema bancário, que deixa a liquidez sendo remunerada pela Selic. Segundo Afonso, essas operações já alcançam 15% do PIB - algo como R$ 440 bilhões. "Depois que o governo liberou os depósitos compulsórios, os bancos ampliaram a demanda por este instrumento", afirma.
Para Khair, o governo deveria terminar com as operações compromissadas. "Essas operações são uma perda completa para o setor público, é um jogo em que o governo perde sempre porque o dinheiro não vai para a economia, por meio do crédito, e ainda é remunerado por uma taxa de juros absurda", critica. Para ele, esse mecanismo desrespeita a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que, em maio de 2002, proibiu o BC de emitir títulos, mesmo aqueles remunerados pela Selic, vendidos pelo Tesouro.
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