Stephen Kanitz
Em 1986 fui trabalhar no Governo Sarney, para resolver a questão da Dívida Externa.
Resumidamente, os Ministros das Finanças da era militar haviam assinado vultosas dívidas externas com juros nominais, indeterminados, que “flutuavam” após a assinatura do contrato, a taxa LIBOR, que não é pré-determinada.
Onde deveria aparecer "O Brasil deverá pagar uma taxa pré-determinada, como 4% ou 5%", aparecia 5 letras "a taxa LIBOR da época, qualquer que ela seja".
"Qualquer que ela seja" não é um contrato que administradores financeiros normalmente assinariam, razão da nossa revolta na época. Para um administrador, é uma cláusula onde os juros são estabelecidos após a assinatura do contrato, e não antes, o que seria mais seguro.
O que a rigor é até inconstitucional, juros precisam ser pré-estabelecidos e aprovados pela Assembleia. Mas na época, não havia um Ministério Público que pudesse lutar pela defesa do patrimônio nacional.
Quando os juros “flutuaram” para 19%, em 1982, tivemos a Crise da Dívida Externa. Fomos obrigados a pagar estes juros exorbitantes, porque estava no contrato. Não havia como contestar. Obviamente não havia como pagar, e quebramos.
“Nossa ciência não tinha como prever um aumento destes”, fora da curva, me explicou um Ministro que foi um dos assinantes destes contratos. Ora, isto é justamente uma razão científica para nunca assinar contratos com juros em aberto, se ninguém é capaz de prever um aumento daqueles.
Continuamos até hoje com um sistema parecido, mas substituímos as letras Libor por Selic.
Como defendia a tese de juros pré-determinados com mais de 200 artigos publicados em jornais e revistas, fui convidado pelo então Ministro do Planejamento, um economista jovem e criativo. Criamos em 1987 uma equipe no governo para vender títulos brasileiros com juros fixos e pré-determinados, com juros reais e não juros nominais, aos grandes fundos de pensão americanos.
Fazia parte da equipe o administrador Ricardo Knoepfelmacher, que iria se destacar anos depois como Presidente da Brasil Telecom.
Para vender para Fundos de Pensão, algo que nunca havia sido feito pelo Brasil, é necessário ter um Investment Grade das companhias de rating, e contatamos a Standard & Poor´s na época, para iniciarmos o procedimento de análise do Brasil, e obter um investment grade.
Tudo corria bem até a Moratória da Dívida Externa impetrada por outra ala do governo, jogando por terra toda a possibilidade de substituir os Bancos Internacionais pelos 20.000 fundos de pensão que havíamos identificado com a Towers Perrin, atuários americanos.
Perdemos 2 anos, a rigor perderíamos mais 10 - a Década Perdida, e desmontamos a nossa equipe e o Brasil ficaria à mercê de intermediação de banqueiros por mais 20 anos.
Quem começou as tratativas novamente com a S&P, foi Joaquim Levy, secretário do governo Lula. Dei meus parabéns ao Joaquim por ter reiniciado um trabalho que ficara 20 anos parado, e perguntei como ele havia convencido o Lula. Convencer um governo a fazer concessões ao FMI em troca de um empréstimo eminente é uma coisa, mas convencer um governo a fazer concessões a uma empresa privada como a S&P, sem garantia de empréstimos eminentes, só um selo de qualidade, é outra coisa, bem mais complicada politicamente.
“Lula foi o mais fácil de convencer, lembre-se que ele já trabalhou numa empresa”.
Lula fez uma série de concessões à S&P para conseguir o Investment Grade a um enorme custo político, como as inúmeras discussões do Superávit Primário atestam.
Obviamente, Henrique Meirelles soube, como Joaquim, convencê-lo da necessidade, algo que todo país europeu já havia conquistado. De qualquer forma, mérito deste governo e das medidas como "reservas internacionais", que ajudaram a obter o selo de investment grade.
O ponto é que nenhum governo futuro poderá agora deixar de almejar o Investment Grade, agora que ficou óbvio o benefício que tivemos: juros mais baixos, aqui e externamente. Nenhum governo futuro, seja Ciro, Dilma, Serra, Marina, se atreverá a perder o Investment Grade conquistado neste governo.
Será considerado uma conquista do Governo Lula que terminou o que o Governo Sarney começara, e que por 20 anos ficou esquecido porque juros fixos e pré-determinados não eram prioridade.
Agora cabe a todos nós melhorá-lo. Nosso "selo" ainda é uma nota mínima, temos que almejar um A, AA ou até AAA, para abaixarmos os juros internacionais, devido ao precário nível de nossa poupança interna, mas isto é uma outra questão.
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