Abordagem sobre investimento do dinheiro do contribuinte foi unânime durante o painel que tratou de finanças
Um controle rígido nos gastos governamentais é fundamental para que um país cresça de forma expressiva e mantenha a trajetória de ascensão de forma sustentável. Essa abordagem foi unânime durante o painel que tratou das finanças públicas, ontem, durante a 27ª edição do Fórum da Liberdade. Na ocasião, o ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco, o analista político português Marcelo Rebelo de Sousa e o diretor da consultoria norte-americana Euro Pacific Capital Andrew Schiff abordaram o tema.
Ex-deputado em seu país, Sousa disse que Portugal pode fornecer algumas lições ao Brasil sobre o que não fazer em relação à condução das finanças públicas. O analista lembrou que, durante um longo período, os lusitanos expandiram gastos de forma descontrolada e que essa postura é fatal em uma economia globalizada. “Portugal continuou usando as finanças como se não soubesse que os mercados são voláteis, aumentou gastos e fez projetos muito mal planejados”, afirma.
Um exemplo de projeto mal- -arquitetado mencionado por Sousa foi a realização da Eurocopa, em 2004. A seleção portuguesa, na época comandada por Luiz Felipe Scolari, chegou até a final e perdeu o título para a Grécia, mas até hoje o país paga a conta da construção de estádios que se tornaram elefantes brancos. O analista político lembrou dessa situação para traçar um paralelo com a Copa do Mundo a ser realizada no Brasil. “A questão não é fazer ou não a Copa do Mundo, mas sim fazer uma Copa do Mundo com ou sem controle de gastos”, aponta.
O norte-americano Schiff endossou o coro de que as políticas de austeridade são importantes para o desenvolvimento de um país no longo prazo. O especialista citou o exemplo de uma família com problemas financeiros para ilustrar a situação. “Se os integrantes da família perdem o emprego, eles não vão aumentar as despesas e pegar mais dinheiro emprestado”, menciona.
Já o chefe do BC entre 1997 e 1999, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, acredita que a situação brasileira é preocupante. Franco contestou a atuação do atual ministro da Fazenda, Guido Mantega, e lembrou que a dívida pública líquida do Brasil chega a 68% do Produto Interno Bruto (PIB). “Esse é um número enorme para uma economia emergente. Pagamos em dívida a mesma coisa que a Grécia gasta. A diferença é que, no caso grego, a dívida representa 170% do PIB”, compara. “Temos uma situação grave, que a gente finge não ver. O governo parece querer enganar sobre essa situação”, critica.
‘Estamos brincando com fogo’, alerta ex-presidente do Banco Central sobre a inflação
Marina Schmidt
No ano em que o Plano Real completa duas décadas, o ex-presidente do Banco Central e um dos responsáveis pela formulação da atual moeda, economista Gustavo Franco, alerta para os riscos da inflação. A convite do grupo Vozes Tucanas, vinculado ao PSDB-RS, Franco participou de um almoço com partidários, ontem, na Federasul, onde comparou a inflação com o alcoolismo, destacando que o indício de alta acima de dois dígitos é perigoso, gerando um efeito de elevação recorrente. Após o evento, Franco conversou com a reportagem do Jornal do Comércio e detalhou os desafios recentes da moeda brasileira.
Jornal do Comércio – Nesses 20 anos, quais foram os principais pontos críticos enfrentados pelo real?
Gustavo Franco – Foram muitos os pontos críticos e eu acho que o mais importante, claro, foi o momento inicial quando a Unidade Real de Valor (URV) foi para a rua e o Brasil se viu diante de um grande teste, que era verificar se a população tinha capacidade de entender uma coisa aparentemente tão difícil. A pergunta era: o brasileiro sabe fazer conta? Se sabe, vai dar tudo certo. Esse desafio foi vencido e foi provado que o brasileiro sabe fazer conta. Claro que isso não resolvia todos os problemas. A inflação nos primeiros 12 meses de vida do real foi 33%, ainda um número muito elevado, impossível para os padrões de hoje (impossível para os padrões de ontem também). Então, teve um segundo momento, que foi uma espécie de luta de infantaria para reduzir a inflação utilizando ferramentas convencionais de política monetária e fiscal. Nós buscávamos a credibilidade necessária entregando as reformas que foram prometidas: privatização, liberalização, desregulamentação, agências reguladoras. Fomos entregando e conseguimos chegar em 1998 com a inflação em 1,5% ao ano. Foi uma vitória.
JC – Mas em 1999, o real voltou a sofrer oscilação...
Franco – É verdade. Foi um momento importante de mudança de tática, não de estratégia. Passamos de âncora cambial para flutuação, implementamos um acordo com o FMI que nos ajudou a arrumar a parte fiscal, e a vida continuou. A moeda balançou, mas muito menos do que qualquer pessoa poderia imaginar. Estava selada a conquista. É claro que, mais adiante, veio um desafio ainda mais crítico que foi o da oposição. A oposição ganhou – e ganharia em algum momento, porque vivemos uma democracia e a democracia precisa ter alternância. A dúvida era se iriam destruir tudo o que a gente construiu. Aí, de novo, prevaleceu o bom senso e a razão. Eles mantiveram tudo o que era importante, e a moeda prosseguiu. Só muito recentemente começou a sofrer um pouquinho em razão das políticas econômicas do governo Dilma. É a orientação pessoal da presidente, mais à esquerda, mais intervencionista e que não está funcionando. O crescimento é pequeno, a inflação sobe um bocadinho, é um crescimento relativamente baixo ao que foi no passado, mas não é um bocadinho para o que nós estamos acostumados agora. Tem que melhorar.
JC – Nós tivemos uma inflação de quatro dígitos, antes do Plano Real, para percentuais abaixo dos dois dígitos de hoje. Ainda assim, o senhor considera uma preocupação?
Franco – É, porque nós mudamos de patamar completamente. Zeramos a pedra e nos acostumamos, as pessoas aboliram as suas defesas, a indexação foi abandonada, ou, pelo menos, foi anualizada num pressuposto de uma inflação que não deve ultrapassar 3% a 4%, que é um patamar em que, ao longo do ano, você não sente. Não se pode dizer a mesma coisa se a inflação é de 10%, porque se chegar a isso, as pessoas vão querer semestralidade, aí pula de 10% para 20%, 25%. Aí, estamos lascados, porque isso vai acordar todas as tecnologias que as pessoas sabem usar para se proteger da inflação, gerando inflação. Isso é tudo o que a gente não quer. Então, estamos brincando com fogo e não deveríamos estar.
JC – Há uma sinalização de que o ano que vem será de ajustes. O que o senhor projeta, independente do partido vencedor da eleição deste ano? Quais são as medidas prioritárias?
Franco – Acho que tem que arrumar as contas públicas, porque foi aí que a coisa desarrumou, muito a partir de transferências diretas entre o Tesouro e os bancos federais. Portanto, é de fácil reversão. É muito simples, essa é a mãe de todas as políticas necessárias para estabilidade. É a política fiscal, a sustentabilidade financeira do governo. Se o governo é um endividado terminal, que nunca vai pagar as suas contas, a dívida dele, que é a moeda, não tem credibilidade, não há crédito público. É preciso ter crédito público para que a moeda tenha valor na mente das pessoas.
JC – É um cenário pessimista?
Franco – Não. Eu não sou pessimista. Eu sou otimista em relação ao Brasil, ainda que o curto prazo esteja um pouquinho nublado. Mas acho que as pessoas, como demonstraram em outras ocasiões, vão fazer a escolha certa. Nós vamos mudar essa política econômica e no ano que vem não significa que o ajuste seja necessariamente de sacrifícios e de maldades. De jeito nenhum. É fazer a coisa certa. Fazer a coisa errada não funciona. Fazer a coisa certa é bom, não significa necessariamente sacrifício. O Brasil precisa crescer.
Fonte: Jornal do Comercio
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