O Banco Central (BC) voltou à cena ontem e interveio no mercado de câmbio à vista pela primeira vez desde setembro, reagindo à forte onda de valorização da moeda brasileira. No ano, o real registra ganho de 8,22% em relação ao dólar, o segunda maior valorização no mundo, superado apenas pelo peso mexicano (alta acumulada de 9,91%).
A atuação do BC contribuiu para uma correção do câmbio ontem e o dólar fechou o dia em alta de 0,58%, valendo R$ 1,727. De todo modo, analistas são unânimes em dizer que a pressão por valorização da moeda brasileira - ou de queda do dólar no mundo - vai persistir.
A política de injeção de liquidez do Banco Central Europeu (BCE), com o intuito de aliviar a situação do sistema financeiro da região e estimular a aquisição de títulos da dívida dos países em dificuldade e os sinais de recuperação da economia americana elevam o apetite por risco e explicam esse movimento. Nesse contexto, a emissão de bônus no exterior por empresas e bancos brasileiros representa uma excelente oportunidade para esses investidores. E as companhias estão aproveitando esse cenário para captar a juros baixos. A bolsa também voltou a atrair o capital estrangeiro no ano.
Ontem foi a vez da Brasil Telecom e do Santander anunciarem emissões. O volume total de captações já soma US$ 16,733 bilhões, segundo levantamento do Valor Data. Nem todos esses recursos entram no país, já que muitas companhias deixam o caixa da emissão no exterior. Mas boa parte deve ser internalizada. A percepção de mercado é que a intervenção feita pelo BC na sexta-feira, por exemplo, com a oferta de dólar a termo, serviu para enxugar a entrada de moeda decorrente da oferta recorde da Petrobras, de US$ 7 bilhões.
Além disso, a perspectiva de ingresso desses recursos estimula exportadores a anteciparem a venda de dólares, segundo operadores, o que potencializa a queda da moeda americana.
A pressão da divisa, no entanto, deve encontrar, como foi o caso ontem, a barreira do governo. "A tendência que prevalece é de apreciação do real, mas o governo deve voltar a agir toda vez que a cotação se aproximar de R$ 1,7", diz Luciano Rostagno, estrategista-chefe do Banco WestLB.
Para Tony Volpon, diretor da Nomura Securities International, o mercado não avaliou bem as medidas anunciadas no ano passado pelo BCE e encerrou 2011 com um tom bastante pessimista. Ao longo de janeiro, entretanto, os efeitos dessa ação da autoridade monetária europeia, juntamente com alguns indicadores positivos nos Estados Unidos - em especial o mercado de trabalho, que mostrou a criação de 243 mil postos em janeiro, surpreendendo os analistas -, serviram de combustível para a volta do apetite por risco.
"É a combinação perfeita entre dois elementos que agradam o mercado: liquidez e crescimento econômico", observa. Como faltam ativos atrativos, as operações de emissão de títulos de dívida pelo Brasil acabam ganhando espaço, reforçando a perspectiva de ingresso de recursos no país.
"Quem compra bônus da Itália e da Espanha são os próprios europeus", diz Volpon. "Tem uma categoria de investidores que está em busca de outras oportunidades de investimento, e o Brasil se beneficia dessa situação, forçando ainda mais a alta do real."
Para ele, se esse quadro perdurar, há espaço para a moeda americana cair ainda mais em relação ao real e testar o nível de R$ 1,6. "Claro que, a R$ 1,7, o BC vai reforçar a intervenção", diz. "Mas se a dinâmica externa permanecer como está, não estranharia ver o dólar escorregar ainda mais".
Para José Carlos Amado, da Renascença Corretora, a sequência de captações externas, ainda que não se traduza em fluxo imediato de recursos, afeta as expectativas do mercado e, com isso, contribui para a queda do dólar frente o real. "O exportador, quando vê que há um potencial de fluxo positivo, antecipa a venda de dólares, enquanto que o importador adia a compra, o que potencializa a valorização cambial", explica.
O que pode limitar a queda, na avaliação de Amado, é a imposição da cobrança de IOF sobre posições vendidas no mercado futuro. Essa taxação desestimula investidores a fazerem o chamado "carry trade" (operação especulativa em que o investidor capta a juros muito baixos no exterior e aplica em juros altos de ativos brasileiros).
Para Adriana Dupita, economista do Santander, a cotação atual está em linha com os determinantes macroeconômicos do preço da moeda, como os preços das commodities e o valor do dólar no mercado internacional. Até por isso ela acredita que a taxa deve oscilar em torno desse patamar, fechando o ano na casa de R$ 1,8.
Ainda assim, ela acredita em bastante volatilidade ao longo do ano, tanto pelas incertezas ainda presentes na Europa quanto pela expectativa de um fluxo de divisas menor do que 2011, que foi de US$ 65 bilhões. "Esperamos menos investimento estrangeiro direto e um menor saldo da balança comercial", diz.
Fonte: Valor Econômico
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