Por Fernando Torres
De São Paulo
Logo na primeira oportunidade em que os países latino-americanos se organizaram para apresentar propostas para reformulação do padrão contábil internacional IFRS, apareceu entre as prioridades um tema que é mais do que conhecido na região: o efeito da inflação nos balanços.
Escolados no assunto, os países da América Latina consideram inapropriada a regra atual do IFRS sobre esse assunto.
Representantes do Grupo Latino Americano de Normas de Informação Financeira (Glenif) defenderam mudanças nessa regra há três semanas em Londres, onde fica a sede do Conselho de Normas Internacionais de Contabilidade (Iasb, na sigla em inglês), órgão que edita as IFRS. Integrantes do Glenif, Brasil, México e Argentina também manifestaram de forma independente suas preocupações com o tema.
No Brasil, havia correção monetária integral dos balanços até 1995, ano seguinte à criação do Plano Real. A inflação acumulada desde então atinge 172%.
Editada em 1989, a norma atual do IFRS sobre contabilidade de inflação, chamada de IAS 29, permite a correção de contas no balanço somente em economias consideradas hiperinflacionárias. E um dos itens da regra diz que isso seria caracterizado quando a inflação atinge 100% num período de três anos. Outra característica que evidenciaria a hiperinflação, segundo esse pronunciamento, é o uso generalizado pela população de um país de uma moeda estrangeira estável para dar preço a bens e produtos.
O Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), órgão responsável pela edição das normas IFRS no Brasil, nem chegou a traduzir o IAS 29 para o português, diante das características previstas no pronunciamento - que não se aplicariam ao Brasil de hoje -, e por conta do tempo apertado durante o processo de transição do padrão contábil.
Em documento enviado ao Iasb em resposta a um processo de consulta sobre quais devem ser as prioridades do órgão global nos próximos anos, o CPC disse, a respeito desse tema, que "a experiência passada no Brasil revela que uma inflação em um nível muito menor (por exemplo, de 3% a 5% ao ano) produz impacto significante no retorno do investimento, na posição financeira e na performance de uma entidade".
O Glenif foi na mesma linha e pediu tanto a retirada dessa referência aos 100% como a possibilidade de se corrigir os balanços caso os usuários das informações financeiras "considerem que a perda do poder de compra de uma moeda foi relevante durante determinado período".
Atualmente, entre os países da América Latina, apenas a Venezuela se enquadra na característica prevista no IAS 29.
Sem correção dos balanços em um país que vive com inflação relativamente alta, o patrimônio líquido das empresas tende a ficar subavaliado, o que distorce indicadores que usam essa conta como referência, como as métricas de retorno e de endividamento. Outra distorção se refere ao imposto sobre o ganho de capital quando da alienação de um investimento, que usa o patrimônio como base de cálculo.
A apresentação do Glenif em Londres foi feita por Ricardo Lopes Cardoso, professor da FGV e da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), que foi coordenador do primeiro grupo técnico do Glenif, que tratou exatamente da apresentação de sugestões para a agenda futura do Iasb.
Como ouvintes estavam o presidente do Iasb, Hans Hoogervorst, além de outros três membros da diretoria do órgão, formada por 15 pessoas.
"O Iasb tem conhecimento de que diversos países com histórico de inflação relevante não estão contentes com o pronunciamento atual", afirmou Cardoso.
Ele conta, no entanto, que notou, na sessão de perguntas e respostas, que o Iasb não quer soluções prontas, que poderia ser o caso apenas se não existisse uma norma em vigor sobre o tema. "Eles querem que a gente deixe claro quais os problemas do IAS 29 e quais as alternativas, partindo da regra que já existe", disse.
A visão do Glenif, diz Cardoso, é de que não basta baixar o sarrafo dos 100% de inflação em três anos. "É preciso também melhorar a metodologia (de correção). Mas como cada país desenvolveu domesticamente sua solução, talvez cada um queira crer que sua saída é melhor que a do outro."
Fonte: Valor Econômico
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