Por Angela Bittencourt e Lucinda Pinto
De São Paulo
O Banco Central deu um claro sinal de que está disposto a concretizar o chamado "cenário Dilma", amplamente comentado no primeiro ano da gestão da presidente. Segundo esse cenário, a taxa Selic se aproximaria de 9% em 2012. E foi exatamente o que a ata do Copom sinalizou ontem: que a taxa de juros deve ser de um dígito, por causa do frágil ambiente externo.
Ao fazer essa previsão sem precedentes, o BC também recorreu a argumentos questionados por parte do mercado, como o de que a inflação em 12 meses caminha para o centro da meta em 2012 e que o juro neutro (aquele que permite o crescimento econômico sem gerar inflação) é menor atualmente. "Fazer essa indicação sobre a Selic em um momento em que a projeção da inflação do próprio BC não está totalmente alinhada com o centro da meta é assumir riscos", afirma o economista-chefe do Deutsche Bank, José Faria. "Considero que cresceu o risco de o BC ter de subir os juros antes de 2013."
O BC também mudou na ata o discurso interpretado como um compromisso de manter o ritmo de corte da Selic em doses de 0,5 ponto, ao retirar do texto a menção a "ajustes moderados" das condições monetárias consistentes com o cenário de convergência da inflação para a meta em 2012. Sem essa expressão, entende o mercado, fica aberta a possibilidade de que a próxima queda seja de 0,25 ponto ou de 0,75 ponto.
A clareza do BC sobre sua intenção - similar à demonstrada pelo Federal Reserve (Fed) na reunião da quarta-feira ao indicar juro baixo até o fim de 2014 -, deixou a impressão de que existe hoje uma meta de taxa de juros, segundo a percepção de um operador de um banco estrangeiro. E deixou mais uma vez a sensação de que essa disposição em reduzir a Selic pode colocar a meta de inflação em segundo plano. "A taxa de juros sempre foi um instrumento para conter a inflação, mas agora parece que ela é um fim, algo que faz parte do plano de governo", observa.
Esse profissional faz parte do grupo de analistas que vê com ceticismo o cenário de inflação convergindo para a meta este ano graças ao ambiente externo frágil e retração da atividade mais forte do que o esperado. "Os números de inflação agora estão melhores porque a base de comparação é muito alta. Mas, a partir de abril, a inflação acumulada em 12 meses voltará a subir para cima de 5%", afirma Flávio Serrano, economista do Espírito Santo Investment.
Serrano também questiona a afirmação do BC de que o juro neutro está em queda, abrindo espaço para mais cortes da Selic. Em seus cálculos, o nível de juro real neutro está próximo a 6%, o que equivale a uma taxa nominal superior a 10%. "O BC, pelo tom da ata, vê um juro neutro perto de 4%, e não é o que nós estimamos", observa. "Assim, o risco é de o BC ter de voltar a subir os juros em 2013, porque uma Selic de 9% não corresponde ao juro neutro da economia", conclui o economista que, depois da ata, passou a considerar uma queda de juros em 0,75 ponto como "cenário básico". "Somente se algo de extraordinário acontecer é que esse corte não vai acontecer", diz.
A ata também foi considerada conflitante com outro importante documento usado pelo BC para gerenciar a política de metas: o Relatório Trimestral de Inflação, divulgado em dezembro. O economista Carlos Eduardo Gonçalves, professor da USP e consultor associado sênior da LCA Consultores, lembra que boa parte do mercado passou a apostar num piso de 10% para a Selic por causa da simulação econométrica contida no relatório de dezembro para a inflação de 2012 e 2013. Com base no cenário de mercado, que contempla uma Selic caindo para 9,5% e subindo depois para 10,25%, o IPCA em 2013 ficaria próximo de 5,5%, ou seja, consideravelmente acima do centro da meta, de 4,5%.
O departamento de pesquisas e estudos econômicos do Bradesco, comandado por Octavio de Barros, concorda que a ata desfez a percepção extraída do Relatório de Inflação de que o ciclo de baixa poderia terminar em 10%. Isso explica o movimento dos juros futuros ontem, que registraram queda expressiva em todos os vencimentos. "Ainda que o mercado questione a estratégia, ninguém vai 'dar murro em ponta de faca', já que está claro o que vai acontecer", afirma Serrano, o Espírito Santo.
Economistas admitem, entretanto, que, apesar das críticas em torno do comportamento da inflação, as incertezas que cercam o cenário externo e que levam a maioria dos bancos centrais do mundo a manter o juro perto de zero podem favorecer a estratégia do BC.
Tatiana Pinheiro, economista do Santander, que projeta há tempo Selic a 9,5% em 2012, considera que o cenário internacional de fato não melhorou de dezembro para cá. E, pondera, se hoje tudo parece mais tranquilo, isso se deve à ação do Banco Central Europeu (BCE). "Os problemas continuam os mesmos. Só que os bancos estão mais capitalizados", afirma a economista para quem o risco é de piora e não de melhora no exterior.
Ela lembra que o BC não reavaliou o cenário internacional. Manteve o impacto da crise externa na economia brasileira em 25% do que foi em 2008/2009. O BC também continua vendo risco de crescimento baixo nas economias avançadas e moderação na atividade doméstica. Ficou apenas mais assertivo quanto ao descompasso entre demanda e oferta, mas ainda assim vê mais equilíbrio, o que pesa a favor do alívio monetário.
O Itaú Unibanco, que mantém a projeção de taxa Selic descendo a 9% em 2012 em cortes de 0,50 ponto por reunião, concorda que o Copom reduziu a ênfase na discussão do impacto do cenário internacional. E não trouxe mudanças na avaliação do BC sobre o cenário externo ou doméstico. Em compensação, a ênfase se volta ao debate sobre o nível da taxa de juro real no Brasil, comentam o economista-chefe Ilan Goldfajn e o economista Caio Megale em relatório. (Colaborou Sergio Lamucci)
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