Tentativas de segurar o câmbio só servem para aumentar os riscos inflacionários.
Tony Volpon
11/11/2010
Existe a tal "guerra cambial"? O termo, lançado inicialmente pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, fez sucesso, entrou no discurso do mercado financeiro como parte também das negociações internacionais e deve fazer parte da principal discussão no âmbito da reunião do G-20 na Coreia do Sul. A própria presidente eleita Dilma Rousseff adotou o termo, acusando a China como os Estados Unidos de travarem tal guerra.
Por que uma "guerra cambial"? A expressão somente faria sentido se, no caso atual, a execução da política de expansão do balanço do Federal Reserve (Fed, banco central americano), conhecida como "quantitative easing" - ou "QE2", já que é a segunda vez que os EUA lançam mão desse expediente -, tivesse como única meta a queda do dólar americano. A queda do dólar estaria, então, "roubando demanda" de outras economias que sofreriam com a apreciação de suas moedas.
Nessa visão do mundo nitidamente mercantilista, o crescimento e a demanda teriam "soma zero": se os Estados Unidos saem ganhando, os outros saem perdendo. Nessa situação, enfrentando a "agressão" de uma economia em decadência, mas ainda detendo a "moeda reserva global", vale tudo para proteger a economia local dos malefícios de uma política cambial americana travestida de política monetária.
Essa visão é tanto parcial como carrega nítida contradição. Vamos ver isso examinando os dois possíveis resultados da nova política americana. Se, como acreditam analistas mais pessimistas, essa nova rodada de QE não conseguir impulsionar o crescimento nos EUA, o resultado mais provável em países como o Brasil é uma inflação maior. Como em 2007-2008, a "fuga" do dólar deve levar a uma alta forte nos preços das commodities não inteiramente compensada pela valorização cambial. Mas, ao mesmo tempo, essa alta deve acontecer junto com a queda relativa nos preço das importações devido à continuação da quase recessão externa.
Tony Volpon
11/11/2010
Existe a tal "guerra cambial"? O termo, lançado inicialmente pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, fez sucesso, entrou no discurso do mercado financeiro como parte também das negociações internacionais e deve fazer parte da principal discussão no âmbito da reunião do G-20 na Coreia do Sul. A própria presidente eleita Dilma Rousseff adotou o termo, acusando a China como os Estados Unidos de travarem tal guerra.
Por que uma "guerra cambial"? A expressão somente faria sentido se, no caso atual, a execução da política de expansão do balanço do Federal Reserve (Fed, banco central americano), conhecida como "quantitative easing" - ou "QE2", já que é a segunda vez que os EUA lançam mão desse expediente -, tivesse como única meta a queda do dólar americano. A queda do dólar estaria, então, "roubando demanda" de outras economias que sofreriam com a apreciação de suas moedas.
Nessa visão do mundo nitidamente mercantilista, o crescimento e a demanda teriam "soma zero": se os Estados Unidos saem ganhando, os outros saem perdendo. Nessa situação, enfrentando a "agressão" de uma economia em decadência, mas ainda detendo a "moeda reserva global", vale tudo para proteger a economia local dos malefícios de uma política cambial americana travestida de política monetária.
Essa visão é tanto parcial como carrega nítida contradição. Vamos ver isso examinando os dois possíveis resultados da nova política americana. Se, como acreditam analistas mais pessimistas, essa nova rodada de QE não conseguir impulsionar o crescimento nos EUA, o resultado mais provável em países como o Brasil é uma inflação maior. Como em 2007-2008, a "fuga" do dólar deve levar a uma alta forte nos preços das commodities não inteiramente compensada pela valorização cambial. Mas, ao mesmo tempo, essa alta deve acontecer junto com a queda relativa nos preço das importações devido à continuação da quase recessão externa.
Como a pauta das nossas exportações é carregada em commodities e as nossas importações são predominantemente de bens de capital e de consumo, a melhora nos termos de troca da economia brasileira equivale a um aumento da renda real, que deve incrementar ainda mais o investimento e o consumo. Nesse caso, o maior risco não é importar a recessão dos outros, mas sim sofrer maior inflação. As tentativas de segurar o câmbio, impedindo que uma alta do real frente ao dólar ajude a compensar a elevação dos preços das commodities, somente funcionam para aumentar os riscos inflacionários.
E se o QE2 funcionar? Nesse caso teríamos um crescimento maior da economia americana, algo que adicionaria demanda na economia mundial. Tal cenário certamente não poderia ser visto como negativo para o Brasil em termos de renda e crescimento econômico. Os Estados Unidos podem estar "fora de moda" em relação à ascendente economia chinesa, mas pelo seu tamanho é difícil sustentar qualquer recuperação global sem algum crescimento americano.
O que devemos perceber é que o Brasil está bem colocado para enfrentar as consequências do QE2 exatamente porque não se trata de uma guerra cujo resultado é soma zero e pela posição favorável do Brasil na atual economia internacional como exportador de commodities. Se QE2 funcionar, vamos ter uma economia americana em crescimento, importando mais do Brasil, com o dólar americano subindo, aliviando temores de uma sobrevalorização cambial.
Se o QE2 não funcionar, vamos continuar, como agora, a vender nossos produtos ao exterior, a preços ainda mais altos, e importar artigos de consumo e bens de capital mais baratos. O risco nesse caso não é os americanos "roubarem" nosso crescimento, mas haver um excesso de demanda interna, causado pela melhora dos termos de troca e pela intervenção do governo no mercado de câmbio interferindo no necessário processo de ajuste.
Vale a pena os riscos de um aquecimento excessivo da economia para segurar o câmbio? Seria essa a melhor maneira de ajudar nossa indústria a se ajustar ao atual cenário? Somando os custos da "estratégia de guerra" da política cambial atual, focado em fortes intervenções no mercado de câmbio e a imposição de crescentes impostos à entrada de capital estrangeiro, a resposta só pode ser não.
Fora o risco de maior inflação futura, já sentimos hoje em função do IOF a retração do investidor externo no mercado de dívida local, o que tem elevado as taxas de juros de longo prazo e impedido o Tesouro Nacional de colocar títulos de maior prazo em seus leilões. O trabalho de alongar o perfil da dívida federal está em risco por causa de uma política cambial mal elaborada. E isso quando o Brasil entra em um período em que deseja implementar forte agenda de investimentos, que somente serão executados com a ajuda do capital externo dada a baixa propensão a poupar como o contínuo e crescente déficit fiscal, que hoje tem uma da suas principais origens no custo da intervenção no mercado de câmbio.
Devemos ter em mente que a queda do dólar americano ou é temporária (no caso de QE2 ser um sucesso) ou é algo inevitável (caso seja um fracasso). A resposta da política econômica correta, no caso mais pessimista da eventual falha do QE2, é trabalhar para ajudar a indústria a se adaptar, aumentando sua produtividade e competitividade. Por causa disso, ficamos perplexos em ver que, exatamente quando temos tantos desafios pela frente dado uma conjuntura internacional ainda cheia de riscos e incertezas, a única iniciativa concreta do novo governo parece ser apoiar a volta da CPMF, imposto em cascata que afeta mais negativamente a indústria por causa da longa corrente de produção. IOF e CPMF são certamente as armas corretas para o Brasil perder essa guerra mal pensada.
E se o QE2 funcionar? Nesse caso teríamos um crescimento maior da economia americana, algo que adicionaria demanda na economia mundial. Tal cenário certamente não poderia ser visto como negativo para o Brasil em termos de renda e crescimento econômico. Os Estados Unidos podem estar "fora de moda" em relação à ascendente economia chinesa, mas pelo seu tamanho é difícil sustentar qualquer recuperação global sem algum crescimento americano.
O que devemos perceber é que o Brasil está bem colocado para enfrentar as consequências do QE2 exatamente porque não se trata de uma guerra cujo resultado é soma zero e pela posição favorável do Brasil na atual economia internacional como exportador de commodities. Se QE2 funcionar, vamos ter uma economia americana em crescimento, importando mais do Brasil, com o dólar americano subindo, aliviando temores de uma sobrevalorização cambial.
Se o QE2 não funcionar, vamos continuar, como agora, a vender nossos produtos ao exterior, a preços ainda mais altos, e importar artigos de consumo e bens de capital mais baratos. O risco nesse caso não é os americanos "roubarem" nosso crescimento, mas haver um excesso de demanda interna, causado pela melhora dos termos de troca e pela intervenção do governo no mercado de câmbio interferindo no necessário processo de ajuste.
Vale a pena os riscos de um aquecimento excessivo da economia para segurar o câmbio? Seria essa a melhor maneira de ajudar nossa indústria a se ajustar ao atual cenário? Somando os custos da "estratégia de guerra" da política cambial atual, focado em fortes intervenções no mercado de câmbio e a imposição de crescentes impostos à entrada de capital estrangeiro, a resposta só pode ser não.
Fora o risco de maior inflação futura, já sentimos hoje em função do IOF a retração do investidor externo no mercado de dívida local, o que tem elevado as taxas de juros de longo prazo e impedido o Tesouro Nacional de colocar títulos de maior prazo em seus leilões. O trabalho de alongar o perfil da dívida federal está em risco por causa de uma política cambial mal elaborada. E isso quando o Brasil entra em um período em que deseja implementar forte agenda de investimentos, que somente serão executados com a ajuda do capital externo dada a baixa propensão a poupar como o contínuo e crescente déficit fiscal, que hoje tem uma da suas principais origens no custo da intervenção no mercado de câmbio.
Devemos ter em mente que a queda do dólar americano ou é temporária (no caso de QE2 ser um sucesso) ou é algo inevitável (caso seja um fracasso). A resposta da política econômica correta, no caso mais pessimista da eventual falha do QE2, é trabalhar para ajudar a indústria a se adaptar, aumentando sua produtividade e competitividade. Por causa disso, ficamos perplexos em ver que, exatamente quando temos tantos desafios pela frente dado uma conjuntura internacional ainda cheia de riscos e incertezas, a única iniciativa concreta do novo governo parece ser apoiar a volta da CPMF, imposto em cascata que afeta mais negativamente a indústria por causa da longa corrente de produção. IOF e CPMF são certamente as armas corretas para o Brasil perder essa guerra mal pensada.
Tony Volpon é chefe de pesquisas das Américas do Nomura Securities International, Inc.
Valor Econômico
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