Assistimos a subordinação das trajetórias cambiais às decisões de agentes financeiros.
Pedro Rossi
25/10/2010
Pedro Rossi
25/10/2010
O ministro Guido Mantega foi destaque do "Financial Times" e o assunto dos mercados financeiros mundo afora quando afirmou que vivemos uma "guerra global de moedas". Suas palavras destacaram o "carry trade" como uma motivação para esse conflito global. Mas a que se refere o ministro? Quem são nossos inimigos nessa guerra? Qual a importância do "carry trade"? Para entender a mensagem do ministro talvez seja interessante divagar sobre as raízes da apreciação do real e outras moedas.
O mercado internacional de moedas, conhecido também como Forex ("foreign exchange market"), é o mais líquido do planeta. Nele negociam-se em torno de US$ 4 trilhões por dia, segundo o Banco para Compensações Internacionais (BIS). Esse montante desmedido excede com folga as necessidades reais da economia: em 15 dias, o mercado de moedas transaciona o equivalente ao PIB mundial no ano todo; ou ainda, em cinco dias, todo o estoque de ações. Trata-se de um mercado que negocia, além dos fluxos de comércio e serviços, o estoque de riqueza global, mudando constantemente a forma de sua denominação monetária.
As estratégias de investimento dos operadores desse mercado dispensam os modelos macroeconômicos de previsão cambial baseado em fundamentos econômicos. Os "fundamentos" como contexto político, política monetária e variáveis macro são utilizados de forma mais livre, apontando direções de investimento.
O mercado internacional de moedas, conhecido também como Forex ("foreign exchange market"), é o mais líquido do planeta. Nele negociam-se em torno de US$ 4 trilhões por dia, segundo o Banco para Compensações Internacionais (BIS). Esse montante desmedido excede com folga as necessidades reais da economia: em 15 dias, o mercado de moedas transaciona o equivalente ao PIB mundial no ano todo; ou ainda, em cinco dias, todo o estoque de ações. Trata-se de um mercado que negocia, além dos fluxos de comércio e serviços, o estoque de riqueza global, mudando constantemente a forma de sua denominação monetária.
As estratégias de investimento dos operadores desse mercado dispensam os modelos macroeconômicos de previsão cambial baseado em fundamentos econômicos. Os "fundamentos" como contexto político, política monetária e variáveis macro são utilizados de forma mais livre, apontando direções de investimento.
No curto prazo, as estratégias de investimento movem-se principalmente por "análise grafista", ou técnica, que faz previsões da taxa de câmbio futura por meio de análise indutiva de movimentos passados da série de câmbio. O uso difundido dessas técnicas, ou "regras de comportamento", faz com que a estratégia de ganhos seja autorrealizável na medida em que se estabelecem certos "momentos" onde se inicia e se termina uma estratégia vendida ou comprada de determinada moeda. Muitas vezes se aposta em uma moeda pelo simples motivo de que nos últimos meses ela foi bastante rentável. Esse comportamento do mercado, apesar de ser racional do ponto de vista dos agentes especuladores, é nocivo no que se refere ao equilíbrio macroeconômico.
Esse mercado abriga ainda a famosa operação de "carry trade", a qual o ministro Mantega se referiu, que consiste em uma estratégia financeira que busca usufruir o diferencial de juros entre duas moedas, onde se assume um passivo ou uma posição vendida na moeda de baixos juros e, simultaneamente, um ativo ou uma posição comprada na moeda de altos juros. O "carry trade" pode ser um fenômeno bancário quando um agente toma empréstimo em uma moeda e aplica em ativos denominados em outra, como também pode ser uma aposta no mercado de derivativos, onde o agente fica comprado na moeda de taxa de juros alta e vendido na moeda mais barata.
Os ciclos de "carry trade" tendem a depreciar a moeda que financia a estratégia e apreciar a moeda que é alvo. Foi assim no período antes da crise, quando a queda das taxas de juros americanas proporcionou o financiamento em dólar de posições de "carry trade" em diversas moedas. Esse ciclo não deixou de lado países com altos déficits em conta corrente: a Bulgária teve déficits médios de 24,3% do PIB e uma apreciação cambial de 15,2% e a Austrália, de 5,6% e valorização de 15,7%, entre o 3º trimestre de 2006 e o 3º trimestre de 2008. No Brasil, a moeda se subiu 20% nesse período com uma conta corrente equilibrada, na média.
Com a crise, as posições de "carry trade" foram desmontadas e, não por acaso, as economias que mais apreciaram suas moedas antes da crise foram as que mais depreciaram durante a correria. Foi o caso do Brasil (em torno de 20% de apreciação entre agosto de 2006 e agosto de 2008 e 41% de depreciação entre setembro de 2008 e março de 2009), da Hungria (24% e 44%) e da Turquia (19% e 42%). Aparentemente, o único denominador comum entre essas economias foi o alto patamar da taxa de juros. Passada a tormenta, as posições de "carry trade" foram remontadas e iniciou-se outro ciclo de apostas agora turbinado pelas baixíssimas taxas de juros americanas.
Há algum tempo assistimos a um processo de subordinação das trajetórias cambiais às decisões de portfólio agentes financeiros. Esse processo gera a descolagem da trajetória das taxas de câmbio em relação aos fundamentos econômicos. Nesse plano, o mercado internacional de moedas e seu modus operandi é o inimigo a ser combatido. As ações de ministros e presidentes de banco centrais têm sido no sentido de enfrentá-lo, não de forma coordenada, mas cada um em seu campo de batalha. A China já entendeu o recado há muito tempo e se protegeu de forma radical. No plano ideal, seria interessante uma reforma do sistema financeiro internacional que limitasse o poder de fogo desse mercado. Como isso está longe do horizonte, o jeito é enfrentar essa guerra com armas domésticas.
Diante da ineficácia da acumulação de reservas em solucionar de forma permanente o problema da apreciação cambial, restam ainda três vetores de política econômica. O primeiro consiste na adequação da taxa de juros doméstica aos padrões internacionais. Naturalmente, essa política também representa uma renúncia à autonomia de política monetária, uma vez que a taxa condizente com o nível internacional pode divergir de objetivos domésticos de política monetária. O segundo vetor de política é a imposição de taxas sobre fluxos de capitais de curto prazo com o objetivo de neutralizar os ganhos com diferencial entre taxas de juros. Esse custo financeiro tende a desencorajar as operações de "carry trade" pela redução direta do retorno do especulador. Um terceiro sentido de política consiste na regulação do mercado de câmbio à vista e de derivativos.
Um primeiro passo é o registro de todas as operações cambiais e da exposição cambial dos agentes em seus balanços. Em seguida convém limitar as posições vendidas e compradas dos diferentes agentes nos mercados à vista e de derivativos. O objetivo final dessas políticas é neutralizar o efeito da especulação na taxa de câmbio e consequentemente no saldo em conta corrente. Dessa forma, a taxa de câmbio poderá flutuar de acordo com fundamentos reais, sem distorções financeiras.
Esse mercado abriga ainda a famosa operação de "carry trade", a qual o ministro Mantega se referiu, que consiste em uma estratégia financeira que busca usufruir o diferencial de juros entre duas moedas, onde se assume um passivo ou uma posição vendida na moeda de baixos juros e, simultaneamente, um ativo ou uma posição comprada na moeda de altos juros. O "carry trade" pode ser um fenômeno bancário quando um agente toma empréstimo em uma moeda e aplica em ativos denominados em outra, como também pode ser uma aposta no mercado de derivativos, onde o agente fica comprado na moeda de taxa de juros alta e vendido na moeda mais barata.
Os ciclos de "carry trade" tendem a depreciar a moeda que financia a estratégia e apreciar a moeda que é alvo. Foi assim no período antes da crise, quando a queda das taxas de juros americanas proporcionou o financiamento em dólar de posições de "carry trade" em diversas moedas. Esse ciclo não deixou de lado países com altos déficits em conta corrente: a Bulgária teve déficits médios de 24,3% do PIB e uma apreciação cambial de 15,2% e a Austrália, de 5,6% e valorização de 15,7%, entre o 3º trimestre de 2006 e o 3º trimestre de 2008. No Brasil, a moeda se subiu 20% nesse período com uma conta corrente equilibrada, na média.
Com a crise, as posições de "carry trade" foram desmontadas e, não por acaso, as economias que mais apreciaram suas moedas antes da crise foram as que mais depreciaram durante a correria. Foi o caso do Brasil (em torno de 20% de apreciação entre agosto de 2006 e agosto de 2008 e 41% de depreciação entre setembro de 2008 e março de 2009), da Hungria (24% e 44%) e da Turquia (19% e 42%). Aparentemente, o único denominador comum entre essas economias foi o alto patamar da taxa de juros. Passada a tormenta, as posições de "carry trade" foram remontadas e iniciou-se outro ciclo de apostas agora turbinado pelas baixíssimas taxas de juros americanas.
Há algum tempo assistimos a um processo de subordinação das trajetórias cambiais às decisões de portfólio agentes financeiros. Esse processo gera a descolagem da trajetória das taxas de câmbio em relação aos fundamentos econômicos. Nesse plano, o mercado internacional de moedas e seu modus operandi é o inimigo a ser combatido. As ações de ministros e presidentes de banco centrais têm sido no sentido de enfrentá-lo, não de forma coordenada, mas cada um em seu campo de batalha. A China já entendeu o recado há muito tempo e se protegeu de forma radical. No plano ideal, seria interessante uma reforma do sistema financeiro internacional que limitasse o poder de fogo desse mercado. Como isso está longe do horizonte, o jeito é enfrentar essa guerra com armas domésticas.
Diante da ineficácia da acumulação de reservas em solucionar de forma permanente o problema da apreciação cambial, restam ainda três vetores de política econômica. O primeiro consiste na adequação da taxa de juros doméstica aos padrões internacionais. Naturalmente, essa política também representa uma renúncia à autonomia de política monetária, uma vez que a taxa condizente com o nível internacional pode divergir de objetivos domésticos de política monetária. O segundo vetor de política é a imposição de taxas sobre fluxos de capitais de curto prazo com o objetivo de neutralizar os ganhos com diferencial entre taxas de juros. Esse custo financeiro tende a desencorajar as operações de "carry trade" pela redução direta do retorno do especulador. Um terceiro sentido de política consiste na regulação do mercado de câmbio à vista e de derivativos.
Um primeiro passo é o registro de todas as operações cambiais e da exposição cambial dos agentes em seus balanços. Em seguida convém limitar as posições vendidas e compradas dos diferentes agentes nos mercados à vista e de derivativos. O objetivo final dessas políticas é neutralizar o efeito da especulação na taxa de câmbio e consequentemente no saldo em conta corrente. Dessa forma, a taxa de câmbio poderá flutuar de acordo com fundamentos reais, sem distorções financeiras.
Pedro Rossi, economista, é pesquisador do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica da Unicamp (Cecon).
Valor Econômico
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