A sobrevalorização desemboca numa crise de balanço de pagamentos.
José Luis Oreiro e Eliane Araújo
José Luis Oreiro e Eliane Araújo
18/10/2010
A retomada da tendência de valorização do real nas últimas semanas tem suscitado um intenso debate a respeito das possíveis consequências desse movimento na evolução futura das contas externas brasileiras.
De um lado, constatamos a existência de uma posição que poderíamos denominar de "indiferença otimista". Segundo essa visão, num regime de câmbio flutuante, a intensificação dos desequilíbrios externos em função do movimento de apreciação da taxa real de câmbio levará, mais cedo ou mais tarde, a um movimento lento e gradual de desvalorização do câmbio devido à crescente escassez de divisas no mercado doméstico. Dessa forma, a ocorrência de uma "parada súbita" da entrada de fluxos externos para a economia brasileira estaria descartada a priori pela própria lógica do regime de câmbio flutuante. Nesse contexto, a permanência do regime de flutuação cambial seria condição necessária e suficiente para que o Brasil fique livre do risco de uma crise cambial.
De outro lado, podemos constatar a existência de uma posição que poderíamos chamar de "realismo pessimista". Segundo essa visão, a sobrevalorização da taxa de câmbio desemboca, mais cedo ou mais tarde, numa crise de balanço de pagamentos, com consequências negativas para o nível de atividade econômica. O regime cambial é irrelevante para esse resultado, uma vez que a "exuberância irracional" dos mercados financeiros pode sustentar a sobrevalorização cambial por longos períodos, mesmo num contexto de déficits em conta corrente crescentes, por intermédio da entrada de capitais de curto prazo, atraídos pelo clima de "euforia" criado, ao menos em parte, pela própria valorização do câmbio. Dessa forma, a existência de regimes de câmbio flutuante não elimina a possibilidade de crises de balanços de pagamentos, pois a desvalorização cambial, quando ocorre, tende a ser extremamente rápida, desordenada, e causada por uma mudança súbita no "estado de ânimo" dos investidores internacionais a respeito da sustentabilidade futura das contas externas do país. O regime cambial não é relevante segundo essa visão, o que realmente importa é ter um "câmbio alinhado".
A retomada da tendência de valorização do real nas últimas semanas tem suscitado um intenso debate a respeito das possíveis consequências desse movimento na evolução futura das contas externas brasileiras.
De um lado, constatamos a existência de uma posição que poderíamos denominar de "indiferença otimista". Segundo essa visão, num regime de câmbio flutuante, a intensificação dos desequilíbrios externos em função do movimento de apreciação da taxa real de câmbio levará, mais cedo ou mais tarde, a um movimento lento e gradual de desvalorização do câmbio devido à crescente escassez de divisas no mercado doméstico. Dessa forma, a ocorrência de uma "parada súbita" da entrada de fluxos externos para a economia brasileira estaria descartada a priori pela própria lógica do regime de câmbio flutuante. Nesse contexto, a permanência do regime de flutuação cambial seria condição necessária e suficiente para que o Brasil fique livre do risco de uma crise cambial.
De outro lado, podemos constatar a existência de uma posição que poderíamos chamar de "realismo pessimista". Segundo essa visão, a sobrevalorização da taxa de câmbio desemboca, mais cedo ou mais tarde, numa crise de balanço de pagamentos, com consequências negativas para o nível de atividade econômica. O regime cambial é irrelevante para esse resultado, uma vez que a "exuberância irracional" dos mercados financeiros pode sustentar a sobrevalorização cambial por longos períodos, mesmo num contexto de déficits em conta corrente crescentes, por intermédio da entrada de capitais de curto prazo, atraídos pelo clima de "euforia" criado, ao menos em parte, pela própria valorização do câmbio. Dessa forma, a existência de regimes de câmbio flutuante não elimina a possibilidade de crises de balanços de pagamentos, pois a desvalorização cambial, quando ocorre, tende a ser extremamente rápida, desordenada, e causada por uma mudança súbita no "estado de ânimo" dos investidores internacionais a respeito da sustentabilidade futura das contas externas do país. O regime cambial não é relevante segundo essa visão, o que realmente importa é ter um "câmbio alinhado".
Uma questão importante para os que defendem o "realismo pessimista" é identificar o grau de desalinhamento cambial prevalecente na economia brasileira. A metodologia usada pelos economistas, para lidar com esse problema é calcular um nível hipotético de taxa real efetiva de câmbio que prevaleceria na economia no caso em que os movimentos da taxa de câmbio fossem inteiramente explicados pelos "fundamentos", ou seja, por variáveis outras que não a própria "psicologia do mercado". Os autores deste artigo fizeram recentemente esse exercício para a economia brasileira com dados trimestrais para o período do terceiro trimestre de 1995 ao primeiro trimestre de 2010. Como fundamentos da taxa de câmbio selecionamos: índice de preços de commodities, termos de troca, taxa Selic, saldo da balança comercial como proporção do PIB e consumo do governo (dessazonalizado).
Dessa forma, foi rodada uma regressão em mínimos quadrados da taxa real efetiva de câmbio contra as variáveis acima listadas, obtendo-se, a partir da mesma, uma série de valores para o que seria a taxa real efetiva de câmbio, determinada apenas pelos fundamentos. Essa série foi então comparada com os valores realizados da taxa real efetiva de câmbio. Ao se realizar essa comparação, constata-se que desde o primeiro trimestre de 2005 a economia brasileira convive com uma situação de sobrevalorização cambial, a qual é temporariamente eliminada no último trimestre de 2008 em função da forte desvalorização cambial ocorrida no Brasil após a falência do Lehman Brothers. Após o primeiro trimestre de 2009, contudo, constata-se o ressurgimento do problema da sobrevalorização cambial com a retomada do movimento de valorização do real. No início de 2010, a taxa real efetiva de câmbio encontra-se quase 20% abaixo do seu valor de referência determinado pelos "fundamentos".
Qual o impacto dessa expressiva sobrevalorização cambial sobre a situação das contas externas ? Como é bem sabido, a partir de 2008, o Brasil voltou a exibir déficits em conta corrente após alguns anos de superávit nessa rubrica. Em 2008 e 2009 o déficit em conta corrente ficou em torno de 1,6% do PIB e a expectativa para 2010 é que o déficit em conta corrente alcance 2,5% do PIB.
Nesse contexto a pergunta relevante a ser feita é saber em que medida esse comportamento resulta da sobrevalorização cambial verificada após 2005, ou é simplesmente reflexo do crescimento mais acelerado que a economia brasileira vem experimentando nos últimos anos.
Para responder a essa pergunta, os autores desse artigo calcularam a elasticidade de longo prazo do saldo em conta corrente (SCC) como proporção do PIB com respeito a taxa real de câmbio e ao PIB real (dessazonalizado) para o período 1994-2009. Essas estimativas foram obtidas a partir de um teste de cointegração entre as variáveis em consideração. Os resultados mostraram que a elasticidade câmbio do SCC é 4,61 e a elasticidade renda é -1,59. Esses números mostram que a sensibilidade do saldo em conta corrente a variações da taxa de câmbio é muito maior do que a sensibilidade a variações da taxa de crescimento. Dessa forma, a sobrevalorização cambial verificada após 2005 tem uma contribuição maior para a deterioração das contas externas do que a aceleração do crescimento.
A partir desses números podemos traçar um cenário bastante preocupante para o saldo em conta corrente até 2014. Considerando o crescimento médio de 5% para o PIB e a manutenção da sobrevalorização cambial, o saldo em conta corrente irá alcançar -4,1% do PIB em 2014. Se o câmbio real continuar se valorizando e alcançar o mínimo observado durante o primeiro mandato do presidente FHC, o rombo nas contas externas será ainda pior: 6,7% do PIB.
Esses cenários mostram que uma mudança urgente na política cambial é necessária, não só para estancar o processo de valorização cambial, como, principalmente, eliminar a sobrevalorização cambial. Nesse caso, o saldo em conta corrente poderá ser reduzido para cerca de -0,6% do PIB em 2014.
Dessa forma, foi rodada uma regressão em mínimos quadrados da taxa real efetiva de câmbio contra as variáveis acima listadas, obtendo-se, a partir da mesma, uma série de valores para o que seria a taxa real efetiva de câmbio, determinada apenas pelos fundamentos. Essa série foi então comparada com os valores realizados da taxa real efetiva de câmbio. Ao se realizar essa comparação, constata-se que desde o primeiro trimestre de 2005 a economia brasileira convive com uma situação de sobrevalorização cambial, a qual é temporariamente eliminada no último trimestre de 2008 em função da forte desvalorização cambial ocorrida no Brasil após a falência do Lehman Brothers. Após o primeiro trimestre de 2009, contudo, constata-se o ressurgimento do problema da sobrevalorização cambial com a retomada do movimento de valorização do real. No início de 2010, a taxa real efetiva de câmbio encontra-se quase 20% abaixo do seu valor de referência determinado pelos "fundamentos".
Qual o impacto dessa expressiva sobrevalorização cambial sobre a situação das contas externas ? Como é bem sabido, a partir de 2008, o Brasil voltou a exibir déficits em conta corrente após alguns anos de superávit nessa rubrica. Em 2008 e 2009 o déficit em conta corrente ficou em torno de 1,6% do PIB e a expectativa para 2010 é que o déficit em conta corrente alcance 2,5% do PIB.
Nesse contexto a pergunta relevante a ser feita é saber em que medida esse comportamento resulta da sobrevalorização cambial verificada após 2005, ou é simplesmente reflexo do crescimento mais acelerado que a economia brasileira vem experimentando nos últimos anos.
Para responder a essa pergunta, os autores desse artigo calcularam a elasticidade de longo prazo do saldo em conta corrente (SCC) como proporção do PIB com respeito a taxa real de câmbio e ao PIB real (dessazonalizado) para o período 1994-2009. Essas estimativas foram obtidas a partir de um teste de cointegração entre as variáveis em consideração. Os resultados mostraram que a elasticidade câmbio do SCC é 4,61 e a elasticidade renda é -1,59. Esses números mostram que a sensibilidade do saldo em conta corrente a variações da taxa de câmbio é muito maior do que a sensibilidade a variações da taxa de crescimento. Dessa forma, a sobrevalorização cambial verificada após 2005 tem uma contribuição maior para a deterioração das contas externas do que a aceleração do crescimento.
A partir desses números podemos traçar um cenário bastante preocupante para o saldo em conta corrente até 2014. Considerando o crescimento médio de 5% para o PIB e a manutenção da sobrevalorização cambial, o saldo em conta corrente irá alcançar -4,1% do PIB em 2014. Se o câmbio real continuar se valorizando e alcançar o mínimo observado durante o primeiro mandato do presidente FHC, o rombo nas contas externas será ainda pior: 6,7% do PIB.
Esses cenários mostram que uma mudança urgente na política cambial é necessária, não só para estancar o processo de valorização cambial, como, principalmente, eliminar a sobrevalorização cambial. Nesse caso, o saldo em conta corrente poderá ser reduzido para cerca de -0,6% do PIB em 2014.
José Luis Oreiro é professor do departamento de Economia da UnB. E-mail: joreiro@unb.br.
Eliane Araújo é professora do departamento de Economia da UEM. E-mail: elianedearaujo@gmail.com.
Eliane Araújo é professora do departamento de Economia da UEM. E-mail: elianedearaujo@gmail.com.
Valor Econômico
Nenhum comentário:
Postar um comentário