Estratégia é ampliar patrimônio de referência depois de muitos empréstimos
Cristiane Perini Lucchesi, de São Paulo 27/08/2010
Em meio ao esforço para manter dentro das normas o grau de alavancagem do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) mesmo em um momento de forte crescimento do crédito, o Tesouro vem adotando estratégias para ampliar o capital do banco sem injeção efetiva de capital novo ou retenção de lucros. O objetivo é capitalizar o BNDES sem impactar o superávit primário (excluídos os juros) do governo central.
Sem alarde, o Tesouro Nacional converteu em capital R$ 6 bilhões dos R$ 100 bilhões que emprestou à instituição de fomento no ano passado. Ao fazer isso, ampliou o chamado "capital de nível 2", que não é capital propriamente dito, mas sim instrumentos híbridos de dívida e capital, para níveis acima de 41,5% do capital total (patrimônio de referência) da instituição financeira no final do ano passado.
Ao aumentar o capital de nível 2, o Tesouro "empobrece" a base de capital do BNDES, que é bem menos robusta do que o índice de capitalização (Basileia) pode sugerir, segundo a Moody's. Isso porque seu patrimônio de referência é composto não por capital propriamente dito. Nas discussões de novas regras para tornar o sistema financeiro mais seguro pós-crise financeira de 2008, a tendência dos reguladores tem sido de permitir menor participação do capital de "nível 2" nos balanços.
"A base de capital do BNDES preocupa, pois o que está lá no balanço sustentando toda essa expansão de crédito não é o coração do capital", disse Celina Vansetti, analista-chefe de rating de bancos da Moody's para a América Latina. Para comparação, a participação do capital de "nível 2" no balanço do Bradesco era de 13% em junho. Mesmo no caso do estatal Banco do Brasil, a fatia do "nível 2" era de 32%, sem considerar deduções. Pelo mesmo critério, sem descontar deduções, o "nível 2" do BNDES chegou até a bater 44% em março.
"É errado comparar um banco de fomento como o BNDES com os demais bancos comerciais", argumenta o secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin. "Nós precisávamos capitalizar o banco, pois ele teve um papel contracíclico determinante na crise, e para isso usamos capital de nível 2 e também capital de nível 1", argumenta. Segundo Augustin, o aumento na participação do capital de nível 2 não foi tão importante assim: pelos números do Tesouro, que levam em conta as deduções, o nível 2 do BNDES passou de 40,7% do total em dezembro de 2007 para 39,9% em junho de 2008 e está agora em junho de 2010 em 40,5% do total.
"Usamos o capital de nível 2 também em outros bancos públicos e isso é positivo para o país, pois graças a isso o Brasil se saiu bem da crise", afirmou. "Mesmo quando não havia crédito disponível para ninguém, os bancos públicos mantiveram a economia funcionando", diz. Efetivamente, o capital de "nível 2" na Caixa Econômica Federal supera em termos relativos o do BNDES: chega ao total de R$ 15, 3 bilhões, 50% do patrimônio de referência. Segundo ele, como o Tesouro é acionista dessas instituições, o risco de alavancagem é diferente dos demais bancos. "Além disso, a inadimplência na carteira do BNDES é baixíssima", argumenta Augustin.
Com aumento de mais de 30% na carteira de crédito do BNDES em 2009, o Tesouro está precisando fazer um esforço considerável para manter o índice de alavancagem (Basileia, a relação entre o patrimônio de referência e os ativos, ponderados pelo risco) do banco em níveis que ainda permitam mais crescimento. E tudo isso sem deixar cair o superávit nas contas do governo.
Em junho, o índice de Basileia do BNDES era de 17,8%, bem acima do mínimo de 11% determinado pelo Banco Central, mas insuficiente para um banco de fomento que pretende crescer. Os 17,8% representam uma queda importante com relação aos 28,2% de junho de 2008. O Basileia total do BNDES chegou a atingir 16,03% em setembro de 2009. E isso depois de dois aumentos de capital de nível 1 em 2009: em agosto, R$ 2 bilhões em lucros do BNDES retidos foram incorporados ao capital. Em setembro do ano passado, a União transferiu ações da Petrobras, Vale, Eletrobrás e Embraer para o BNDES, que foram alienadas no mercado e se tornaram capital no total de R$ 4,4 bilhões.
Foi somente após a "celebração" de novo instrumento híbrido com o Tesouro, de R$ 6 bilhões, no último trimestre de 2009, que aumentou um pouco mais o capital de nível 2, que o índice de capitalização total do banco voltou a mais de 17%. Contribuiu para isso a incorporação de parte do lucro de R$ 6,735 bilhões, do qual parte foi para o Tesouro para fazer frente ao pagamento de dividendos mínimos de 2009. Mas, considerando-se só o capital de "nível 1", o índice de alavancagem era de 10,2% em maio. "É esse índice que deveria ser levado em conta para calcular a real solvência do BNDES", diz a Moody's, em relatório
Em 2006 o Tesouro havia adotado a mesma estratégia contábil, de transformar a dívida do BNDES com o Tesouro em capital. Em 1997, quando o Tesouro transferiu para o BNDES ações da Vale para serem leiloadas, exigiu como contrapartida que o banco assumisse dívidas do Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS). Em 2006, o Tesouro fez a "novação" dessas dívidas -criou uma nova dívida, de melhor qualidade para o banco, para substituir a anterior. Com isso, o BNDES pôde incluir essa dívida como "instrumento híbrido" de capital e dívida para fins de cálculo do patrimônio de referência de nível 2. Esses títulos somavam em 2006 R$ 7,001 bilhões, mas foram a R$ 6,491 bilhões em março de 2010.
O mesmo aconteceu no último trimestre do ano passado. Alexandre Albuquerque, analista da Moody's, confirmou o aumento de capital, percebido pelo Valor, e explicou que parte dos R$ 13 bilhões dos títulos do Tesouro recebidos pelo BNDES em março de 2009 (a primeira tranche dos R$ 100 bilhões) foi convertida no "instrumento híbrido" em outubro. Com isso e outra capitalização em 2010, o patrimônio de referência do banco chegou a R$ 58,3 bilhões em junho de 2010, um aumento de 46% em relação a junho de 2009.
Cristiane Perini Lucchesi, de São Paulo 27/08/2010
Em meio ao esforço para manter dentro das normas o grau de alavancagem do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) mesmo em um momento de forte crescimento do crédito, o Tesouro vem adotando estratégias para ampliar o capital do banco sem injeção efetiva de capital novo ou retenção de lucros. O objetivo é capitalizar o BNDES sem impactar o superávit primário (excluídos os juros) do governo central.
Sem alarde, o Tesouro Nacional converteu em capital R$ 6 bilhões dos R$ 100 bilhões que emprestou à instituição de fomento no ano passado. Ao fazer isso, ampliou o chamado "capital de nível 2", que não é capital propriamente dito, mas sim instrumentos híbridos de dívida e capital, para níveis acima de 41,5% do capital total (patrimônio de referência) da instituição financeira no final do ano passado.
Ao aumentar o capital de nível 2, o Tesouro "empobrece" a base de capital do BNDES, que é bem menos robusta do que o índice de capitalização (Basileia) pode sugerir, segundo a Moody's. Isso porque seu patrimônio de referência é composto não por capital propriamente dito. Nas discussões de novas regras para tornar o sistema financeiro mais seguro pós-crise financeira de 2008, a tendência dos reguladores tem sido de permitir menor participação do capital de "nível 2" nos balanços.
"A base de capital do BNDES preocupa, pois o que está lá no balanço sustentando toda essa expansão de crédito não é o coração do capital", disse Celina Vansetti, analista-chefe de rating de bancos da Moody's para a América Latina. Para comparação, a participação do capital de "nível 2" no balanço do Bradesco era de 13% em junho. Mesmo no caso do estatal Banco do Brasil, a fatia do "nível 2" era de 32%, sem considerar deduções. Pelo mesmo critério, sem descontar deduções, o "nível 2" do BNDES chegou até a bater 44% em março.
"É errado comparar um banco de fomento como o BNDES com os demais bancos comerciais", argumenta o secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin. "Nós precisávamos capitalizar o banco, pois ele teve um papel contracíclico determinante na crise, e para isso usamos capital de nível 2 e também capital de nível 1", argumenta. Segundo Augustin, o aumento na participação do capital de nível 2 não foi tão importante assim: pelos números do Tesouro, que levam em conta as deduções, o nível 2 do BNDES passou de 40,7% do total em dezembro de 2007 para 39,9% em junho de 2008 e está agora em junho de 2010 em 40,5% do total.
"Usamos o capital de nível 2 também em outros bancos públicos e isso é positivo para o país, pois graças a isso o Brasil se saiu bem da crise", afirmou. "Mesmo quando não havia crédito disponível para ninguém, os bancos públicos mantiveram a economia funcionando", diz. Efetivamente, o capital de "nível 2" na Caixa Econômica Federal supera em termos relativos o do BNDES: chega ao total de R$ 15, 3 bilhões, 50% do patrimônio de referência. Segundo ele, como o Tesouro é acionista dessas instituições, o risco de alavancagem é diferente dos demais bancos. "Além disso, a inadimplência na carteira do BNDES é baixíssima", argumenta Augustin.
Com aumento de mais de 30% na carteira de crédito do BNDES em 2009, o Tesouro está precisando fazer um esforço considerável para manter o índice de alavancagem (Basileia, a relação entre o patrimônio de referência e os ativos, ponderados pelo risco) do banco em níveis que ainda permitam mais crescimento. E tudo isso sem deixar cair o superávit nas contas do governo.
Em junho, o índice de Basileia do BNDES era de 17,8%, bem acima do mínimo de 11% determinado pelo Banco Central, mas insuficiente para um banco de fomento que pretende crescer. Os 17,8% representam uma queda importante com relação aos 28,2% de junho de 2008. O Basileia total do BNDES chegou a atingir 16,03% em setembro de 2009. E isso depois de dois aumentos de capital de nível 1 em 2009: em agosto, R$ 2 bilhões em lucros do BNDES retidos foram incorporados ao capital. Em setembro do ano passado, a União transferiu ações da Petrobras, Vale, Eletrobrás e Embraer para o BNDES, que foram alienadas no mercado e se tornaram capital no total de R$ 4,4 bilhões.
Foi somente após a "celebração" de novo instrumento híbrido com o Tesouro, de R$ 6 bilhões, no último trimestre de 2009, que aumentou um pouco mais o capital de nível 2, que o índice de capitalização total do banco voltou a mais de 17%. Contribuiu para isso a incorporação de parte do lucro de R$ 6,735 bilhões, do qual parte foi para o Tesouro para fazer frente ao pagamento de dividendos mínimos de 2009. Mas, considerando-se só o capital de "nível 1", o índice de alavancagem era de 10,2% em maio. "É esse índice que deveria ser levado em conta para calcular a real solvência do BNDES", diz a Moody's, em relatório
Em 2006 o Tesouro havia adotado a mesma estratégia contábil, de transformar a dívida do BNDES com o Tesouro em capital. Em 1997, quando o Tesouro transferiu para o BNDES ações da Vale para serem leiloadas, exigiu como contrapartida que o banco assumisse dívidas do Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS). Em 2006, o Tesouro fez a "novação" dessas dívidas -criou uma nova dívida, de melhor qualidade para o banco, para substituir a anterior. Com isso, o BNDES pôde incluir essa dívida como "instrumento híbrido" de capital e dívida para fins de cálculo do patrimônio de referência de nível 2. Esses títulos somavam em 2006 R$ 7,001 bilhões, mas foram a R$ 6,491 bilhões em março de 2010.
O mesmo aconteceu no último trimestre do ano passado. Alexandre Albuquerque, analista da Moody's, confirmou o aumento de capital, percebido pelo Valor, e explicou que parte dos R$ 13 bilhões dos títulos do Tesouro recebidos pelo BNDES em março de 2009 (a primeira tranche dos R$ 100 bilhões) foi convertida no "instrumento híbrido" em outubro. Com isso e outra capitalização em 2010, o patrimônio de referência do banco chegou a R$ 58,3 bilhões em junho de 2010, um aumento de 46% em relação a junho de 2009.
Valor Econômico
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