Lições da pílula
Por Graziella Valenti e Silvia Fregoni, de São Paulo24/11/2009
O desfecho inesperado da disputa entre Vivendi e Telefônica pela empresa de telefonia GVT, além de surpresa, trouxe lições sobre o uso das pílulas de veneno presentes nos estatutos sociais das companhias para garantir a dispersão do capital em bolsa. Esses dispositivos adotados no Brasil há poucos anos viveram, finalmente, um teste expressivo.
Pelo menos duas questões ficaram claras nessa experiência. A primeira é que os investidores ainda não estão familiarizados com as discussões da pílula. E a segunda é que - se o estatuto não dificultar - elas podem ser removidas ou dispensadas diante de uma proposta de compra e nesses casos podem até beneficiar os acionistas.
Embora crítico dos exageros que acontecem no Brasil na adoção dessas cláusulas, para o advogado Marcelo Barbosa, do escritórioVieira, Rezende, Barbosa e Guerreiro, o caso serve para demonstrar que esse mecanismo não precisa ser nem tão bom nem tão ruim quanto se fala. "Há muito maniqueismo nesta questão. Dá para sobreviver com a pílula."
As pílulas de veneno servem para dificultar que um investidor ou grupo compre uma fatia significativa da empresa. Da maneira como foram adotadas no Brasil, davam conforto especialmente aos controladores que levaram as companhias à bolsa nos últimos anos e temiam uma tomada de controle.
Porém, as peculiaridades da adoção no país foram alvos de críticas. Aqui, em geral, as pílulas dificultam a compra de fatias significativas porque disparam uma obrigação de oferta pública para 100% do capital da companhia e com prêmio elevado preestabelecido. Os problemas que surgiram é que o percentual limite de aquisição, em geral, é baixo e os prêmios para uma oferta são excessivos. Assim, essas cláusulas foram acusadas de inibirem operações.
Por fim, algumas companhias redigiram seus estatutos de forma a evitar que os acionistas pudessem votar pela retirada das pílulas. Isso porque aqueles que aprovassem a eliminação teriam que comprar as ações dos demais acionistas, seguindo o prêmio previsto na regra da companhia. Criaram, assim, as cláusulas pétreas. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) já se manifestou afirmando que não punirá os acionistas que votarem pela mudança nesses casos.
Apesar de já se verificar companhias interessadas em modificar seus regimentos, as pílulas ainda estão disseminadas, especialmente entre as novatas da bolsa.
Estudo inédito realizado pelo BTG Pactual traçou um perfil da adoção desses mecanismos no Novo Mercado. Das 104 companhias do segmento especial, 51 possuem a pílula, com limites de aquisição que variam de 10% a 35% do capital. Dessas, 25 têm as cláusulas pétreas.
O caso da GVT abalou alguns mitos da discussão sobre as pílulas de veneno. A companhia francesa Vivendi, interessada em adquirir o controle da empresa, negociou com os fundadores a compra de suas fatias no negócios - 30% do capital total, os 70% restantes estavam dispersos em bolsa. Como a empresa tem a pílula, a Vivendi precisava lançar uma oferta pública, condicionada à retirada dessa cláusula. Sem esse dispositivo, o grupo francês poderia ter comprado os papéis em bolsa aos poucos, além da fatia dos fundadores, por preços diferentes até alcançar 51%.
O prazo necessário à discussão dos acionistas sobre a pílula também teve papel importante e permitiu que a Telefônica lançasse uma oferta pela empresa e iniciasse uma disputa. Assim, a cláusula mostrou um de seus principais benefícios: trouxe para a negociação os acionistas dispersos na bolsa.
E a briga só não foi maior pela falta de experiência para lidar com o assunto. Ao aprovarem a dispensa da pílula de veneno, os acionistas da GVT não condicionaram a liberação a uma oferta pública. A medida deixou a porta aberta para a Vivendi negociar privadamente a compra do controle - em partes - e não precisar se submeter a uma guerra de preços em leilão.
Mas a professora Roberta Prado, da Fundação Getúlio Vargas (FGV) acredita que esses dispositivos não têm a função de melhorar preço em aquisições. Para ela, as pílulas não devem ser vistas como "instrumento de barganha". "Se há o interesse do minoritário de receber sempre o valor mais alto, há também o interesse do mercado de que os negócios sejam realizados pelo valor justo", afirma.
Para os analistas do núcleo de estratégia do BTG Pactual autores de pesquisa sobre o tema, Carlos Sequeira e Antonio Junqueira, na maioria das vezes, as pílulas não se materializam em ganhos aos acionistas - especialmente quando a companhia dificulta sua retirada.
"Na verdade, elas potencialmente reduzem o valor do investimento", afirma Sequeira, pois podem dificultar fusões e aquisições. Junqueira explica ainda que a demanda pelas ações pode sofrer. "Há investidores que só fazem apostas relevantes, comprando grandes fatias das empresas. Se esse tipo de aplicação for limitada, a demanda pelos papéis tende a ficar menor."
Diante das críticas e da necessidade das companhias, é crescente o movimento de mudanças nos estatutos. Após a Cremer, que estreou as alterações ainda em 2008, a Natura já decidiu flexibilizar suas regras, a Tenda eliminou o dispositivo para se igualar à controladora Gafisa e a ABNote levou o tema à assembleia, embora não tenha obtido sucesso. A BrasilAgrotambém considera modificações.
http://www.fenacon.org.br/pressclipping/noticiaexterna/ver_noticia_externa.php?xid=2272
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