Companhias mais abertas
Por Graziella Valenti, de São Paulo28/10/2009
As empresas não gostaram da exposição que enfrentarão com a nova documentação que será exigida pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) a partir de 2010. Diante da necessidade de divulgação de detalhes relevantes das atividades operacionais e seus riscos no reformulado IAN, a antiga desculpa, muito usada para justificar os sucessivos fechamentos de capital anos atrás, retornou. As companhias temem entregar seus segredos estratégicos às concorrentes que não são listadas em bolsa.
As empresas deixaram suas queixas claras ao regulador durante a consulta pública da norma que trata do tema, que ocorreu entre dezembro do ano passado e março deste ano.
As informações sobre as atividades das empresas ficarão mais detalhadas no documento anual que entregarão à autarquia e que ficará permanentemente aberto ao público, o formulário de referência - substituto do já caduco IAN (Informações anuais), após a revisão da Instrução 202. O relatório dos comentários sobre a audiência foi aberto ao público recentemente. A versão definitiva da norma deve chegar ao mercado em dezembro.
A CVM manterá a maioria das exigências a despeito das reclamações das companhias, apontando que está seguindo os padrões de divulgação existentes em países desenvolvidos. "Buscamos igualar o Brasil ao padrão externo", explicou Luciana Dias, superintendente de desenvolvimento de mercado do regulador.
Entre os temas que geraram mais polêmica estão as exigências de detalhes sobre a participação de produtos e segmentos na receita e no lucro das empresas. Além disso, não agradou em nada ter de descrever as características do processo de produção e distribuição do negócio, junto com dados sobre os mercados de atuação. Telesp (Telefônica) e Natura pediram a retirada desses dados, alegando que são "estratégicos" para a companhia.
Também foi alvo de críticas a obrigação de divulgar as políticas de destinação de resultados e de utilização de instrumentos financeiros. São diversos os pontos que chamaram a atenção das companhias e entre eles está ainda a descrição de marcas, patentes e esforços em pesquisa e desenvolvimento. Todos, de forma geral, considerados estratégicos demais pelas empresas para serem compartilhados com o mercado.
Outro ponto que deixou as empresas desconfortáveis é a divulgação de informação do plano de negócios, seção em que terá de constar descrição quantitativa e qualitativa de investimentos, e ainda possíveis desinvestimentos. Dados sobre continuação ou não de linhas de produtos também estão na lista daqueles considerados "altamente confidenciais".
Antonio Castro, presidente da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca), afirma que o problema está no fato de o Brasil ter poucas companhias de capital aberto. Com isso, somente essa parcela reduzida expõe detalhes de sua atuação. "Há segmentos em que apenas um representante do setor possui ações na Bovespa."
A julgar pela reação das empresas na consulta pública realizada pelo regulador resta saber se elas fornecerão todos os dados e com que profundidade. De acordo com Luciana Dias, o não fornecimento das informações pode gerar de advertência a multas, conforme a gravidade.
Lucilene Prado, diretora jurídica da Natura, explica que a preocupação se deve ao fato de o país não viver numa situação de mercado totalmente eficiente, por conta do grande número de empresas fechadas. Ela destaca que o novo formulário representa um avanço em boas práticas no quesito transparência. No entanto, acredita que quando a divulgação de uma informação representar uma ameça do ponto de vista concorrencial, a divulgação será potencialmente nociva à companhia e, portanto, aos seus acionistas.
A CVM voltou atrás em poucos itens ou em ajustes específicos. Uma das poucas concessões foi a não divulgação no formulário de referência de planos de aquisições, uma vez que pode afetar severamente a avaliação dos investidores - tanto da companhia como do possível alvo. A única exceção é se houver uma negociação em curso já divulgada ao mercado.
Para Heloisa Bedicks, diretora-executiva do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), a questão não é a quantidade de empresas abertas, mas a falta de informações por parte das companhias fechadas. Para ela, esse é maior motivo da distorção e das preocupações.
Contudo, de acordo com Heloisa, o mercado caminha para um aumento contínuo da exigência por transparência. Além disso, a "a própria evolução da tecnologia trouxe essa necessidade de informação e de celeridade. E isso só tende a aumentar."
Para Alexandre Di Miceli, coordenador do Centro de Estudos em Governança (CEG), as companhias tendem a ver o acesso à informação como poder, por isso querem sempre oferecer menos. "As informações são sempre dadas à prestação e quando solicitadas ou de maneira hermética."
Di Miceli, que também é professor na faculdade de economia da Universidade de São Paulo (USP), admite que a companhia fica mais exposta à concorrência, mas pondera os benefícios. "O acesso ao mercado tem o ônus e o bônus. Por outro lado, a ideia é que o custo de capital dessa empresa seja mais baixo e ela se torne mais competitiva na comparação com os pares. É sempre uma troca."
A modificação das regras da CVM e as maiores exigências, apesar de ampliarem a exposição das empresas, também facilitarão justamente as captações.
Todas esses dados exigidos pela autarquia no formulário de referência estarão permanentemente disponíveis. Será como um prospecto de uma captação com ações - aquele calhamaço oferecido aos investidores com centenas de páginas apresentando o negócio, os fatores de sucesso e riscos, para serem lidas em poucas semanas.
Com esse documento, os prospectos necessários para captações por empresas já listadas serão mais econômicos, focados na explicação da distribuição de papéis. A ideia é dar mais agilidade às companhias, permitindo que elas aproveitem as janelas de oportunidade de capitalização.
Mesmo preocupado com a exposição dos negócios, Castro, da Abrasca, ressalta que esse ponto representou um grande avanço para empresas, pois tornará o processo mais rápido e simples. "O documento facilitará as oportunidades e reduzirá o custo da transação", completou Lucilene Prado, diretora da Natura
Fonte: Valor Econômico
http://www.fenacon.org.br/pressclipping/noticiaexterna/ver_noticia_externa.php?xid=2042
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