
Paul Krugman.
Como os Estados Unidos se tornaram a economia mais desigual entre os países avançados? A resposta que Paul Krugman propõe para essa questão - e que fornece o fio condutor de seu último livro lançado no Brasil - é surpreendente. Contrariando os dogmas da teoria econômica dominante, Krugman sustenta que a tendência dos últimos 30 anos de aumento na disparidade de salários e de concentração de riqueza em mãos de executivos e rentistas deve-se não a uma evolução natural da economia, mas a fatores estritamente políticos. Mais especificamente, à conquista do Estado por parte do braço mais conservador do Partido Republicano, a partir da eleição de Ronald Reagan em 1980.
O livro prima pela qualidade impecável da escrita e prende o leitor em um estilo que mais se assemelha a uma trama investigativa sobre a conspiração reacionária que põe a perder as conquistas do Estado de bem-estar na maior potência global. Dirigindo-se a um público não especializado, Krugman não poupa críticas aos ataques privatistas que ameaçam o conjunto de políticas públicas de proteção social por influência dos republicanos e seus conselheiros econômicos neoclássicos.
A referência ao debate político é uma constante ao longo do texto, e fundamental para esclarecer a construção de um modelo de Estado de bem-estar limitado, cujos efeitos nocivos, que hoje se propagam sobre a economia real, são, de certa forma, antecipados pelo autor. Krugman, que escreve em 2007, não vislumbrava, na época, a pior crise econômica do capitalismo americano em décadas. Assim mesmo, já alertava para os riscos de uma política social deficiente com impactos consideráveis sobre a capacidade da classe média do país para honrar suas dívidas no mercado imobiliário.
Krugman gosta de repetir que a história das nações é a história das desigualdades. Então, como suspeita o autor, algo estranho deve haver com o ensino universitário de economia, que impede que se discutam as razões político-institucionais da prevalência de injustiças sociais e seus impactos no sistema produtivo. Instituições como a estrutura sindical e os movimentos sociais de minorias são centrais na releitura keynesiana de Krugman da história americana do último século, mas não recebem a devida atenção no pensamento dominante. Assim, passa despercebida nos manuais de economia a redução na taxa de sindicalização, fenômeno particularmente drástico nos Estados Unidos nos últmos 30 anos, que o autor atribui à perseguição política por parte dos conservadores.
Por que razão, então, pergunta o autor, o óbvio efeito benéfico da ação sindical na regulação das relações salariais, ao evitar uma contração excessiva dos salários, é deturpado pelos economistas neoclássicos, que enxergam aí uma interferência ineficiente no funcionamento dos mecanismos de mercado? Por que, ainda nessa mesma linha de argumentação, enxergam a universalização do sistema de saúde como uma ameaça à liberdade de escolha dos cidadãos, ainda que as evidências comprovem sua eficácia na redução dos gastos públicos e na melhoria do bem-estar da população? Krugman é enfático: o posicionamento conservador, contrário a todo tipo de interferência nos mercados e de políticas redistributivas financiadas por impostos sobre os mais ricos, não tem qualquer fundamento teórico. É fruto de uma campanha arquitetada pelo lobby dos grandes oligopólios, cujo objetivo é manter sua margem de lucro elevada e o mercado livre da regulação do Estado. Qualquer semelhança com a rearticulação conservadora que produziu o golpe de 1964 no Brasil não é mera coincidência.
A solução que Krugman advoga para interromper um modelo de acumulação que só parece beneficiar uns poucos executivos e a elite conservadora que controlou o país até 2008 (ele não poderia ter previsto tampouco a ascensão meteórica de Obama), não deixa de ser, contudo, decepcionante. Reforçar o aparato regulatório do Estado na área da saúde, retomar a estrutura progressiva na tributação e permitir maior liberdade de ação sindical representariam certamente um progresso imenso em relação ao desastre social gestado pelo consenso neoliberal iniciado nos anos 1980. O que surpreende é a ausência de questionamento em relação à condução da política monetária e à independência do Federal Reserve, cuja permissividade com os ganhos especulativos do setor financeiro é também um fator essencial para se entender as disparidades de renda no país.
O retorno do keynesianismo apregoado por Krugman é sem dúvida bem-vindo de um ponto de vista ético, na medida em que se sustenta sobre uma estrutura distributiva muito mais justa que o neoliberalismo (termo que o autor evita ao longo de todo o texto). Entretanto, o modelo keynesiano não está livre de contradições. O capitalismo regulado demonstrou seus limites em controlar a ânsia dos setores monopolistas em promover estratégias que se contrapusessem à tendência de queda nas taxas de lucro. É difícil crer que as condições que determinaram a crise desse modelo nos anos 1970 não voltarão a se fazer presentes novamente.
Essas são, certamente, faltas menores, que não comprometem em nada o alcance de uma obra profundamente esclarecedora a respeito da construção da hegemonia politicamente conservadora e economicamente neoliberal no interior do Estado americano, e instiga o debate sobre a viabilidade (e necessidade) de um modelo alternativo para além do que é imposto pelo pensamento único.
Pedro C. Chadarevian, doutor em economia pela Universidade de Paris 3 - Sorbonne Nouvelle, é professor do curso de economia da Universidade Federal de São Carlos
Valor Econômico
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