Texto de Ilan Goldfajn para Valor Econômico.
Publicado em: 16/04/2014
Nos últimos dois meses, a menor aversão a risco tem levado a um retorno do fluxo para mercados emergentes, como o Brasil, especialmente para investimento em portfólio. Para o economista-chefe do Itaú Unibanco, Ilan Goldfajn, o Banco Central deveria aproveitar essa fase para reduzir as intervenções no câmbio e guardar munição para usar mais à frente, quando começar a normalização da política monetária dos Estados Unidos. Goldfajn, que foi diretor de política econômica do Banco Central (2000-2003) e economista do FMI (1996-1999), participa hoje da conferência internacional "Itaú BBA + Macro Vision", em que irá debater o cenário econômico para o Brasil e a América Latina.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
Valor: Nos últimos dois meses, vimos uma volta do fluxo para mercados emergentes, que tem beneficiado o Brasil. O senhor vê o movimento como correção de curto prazo?
Ilan Goldfajn: Isso faz parte de um processo geral que vai levar à normalização da política monetária nos Estados Unidos e depois nos outros países também. Nos últimos meses, desde o começo do ano, os investidores perceberam que talvez esse processo vai ser mais tarde do que eles imaginavam. Isso significa que você prolonga o período de dinheiro mais fácil, custo mais barato, o dólar perde força, as moedas emergentes ganham força, tem mais uma busca por retorno, o chamado "carry trade" [operação que busca ganhar com a arbitragem de juros] está de volta. Isso dá mais um pouco de tempo para as economias se prepararem para o período de normalização, mas aumenta o risco de se criar algumas distorções. Alguns nos Estados Unidos já estão falando em bolhas.
Valor: Há o risco de reversão desse cenário no curto prazo?
Goldfajn: Depende do que você chama de curto prazo. Em dois meses, três meses, provavelmente não. Mas se você olhar para os próximos 12 meses e, certamente, para os próximos 24 meses, vamos estar diante de uma normalização da política monetária nos Estados Unidos em função de uma recuperação da economia americana, que já está em curso. A gente acha que a taxa de juros começa a subir no primeiro semestre do ano que vem. No ano passado, começou a saída de recursos dos emergentes e o que temos observado nos últimos meses é uma pausa desse processo.
Valor: Quais são os principais riscos para os países emergentes?
Goldfajn: Um é o que já falamos, da normalização da política monetária americana. A inversão dos fluxos que estavam chegando para emergentes é outro. E tem a questão da China. Será que a China vai desacelerar muito, será que a demanda por commodities, por bens da América do Sul em geral, vai cair? Acho que essa desaceleração já está em curso, mas não será abrupta. Um dos motivos é que os fundamentos do crescimento estão aí. A China ainda é um país pobre, tem muita gente para incorporar ao mercado consumidor, tem que urbanizar bastante. E por outro lado, a China tem potencial para usar política anticíclica se tiver uma desaceleração mais forte. Tendo dito isso, acho que ao longo da década o PIB da China vai desacelerar para 7%, 6% ao ano.
"Nossa projeção é que a taxa de juros vai ter que chegar a 12,5%, com uma parte desse ajuste sendo feito no ano que vem"
Valor: Que países são mais vulneráveis nesse cenário?
Goldfajn: Os emergentes em geral vão ter sensibilidade aos riscos. Quanto melhor forem suas políticas anteriores, melhor você lida com as reversões. Se a economia está com uma poupança razoável, se as contas fiscais estão em ordem, se a inflação está na meta, se a dívida pública está pequena, tudo isso ajuda a poder adotar políticas anticíclicas no momento de normalização da política monetária ou qualquer choque externo.
Valor: O Brasil tem espaço para fazer isso?
Goldfajn: O Brasil tem espaço na questão das reservas e está usando. Isso permite suavizar um pouco o choque que vem de uma reversão dos fluxos ou do mau humor com a normalização da taxa de juros nos EUA.
Valor: Com o dólar em torno de R$ 2,20, faz sentido o BC manter as intervenções no câmbio?
Goldfajn: Não acho que faz sentido. A intervenção tem de ser usada em momentos em que há uma percepção de que as condições externas estão mudando, para suavizar esse ajuste. Se há um entendimento no mercado de que o período de normalização vai demorar mais é melhor guardar munição para usar mais à frente, quando vier o ajuste.
Valor: Como se daria esse ajuste nas intervenções?
Goldfajn: Acho que tem uma certa ordem, que o BC está colocando. Primeiro ponto, se você tem um estoque de swaps cambiais a rolar, pode rolar menos, sem afetar ainda um programa que prevê a venda de US$ 200 milhões por dia por meio de swaps. Eu tenho a impressão de que o BC já está nesse processo. Mas eu iria além. Em algum momento, se as condições continuarem como estão, ou seja, em que a taxa de juros de dez anos (do título do Tesouro americano) não está subindo, acho que teria espaço também para o BC anunciar: fizemos a intervenção quando estávamos prestes a uma mudança da política monetária, estamos mais longe, assim que voltar, eu volto com as intervenções.
Valor: O BC tem sinalizado que o ciclo de aperto monetário está perto do fim. Ele tem espaço para fazer essa interrupção agora, dado o último choque de preços de alimentos?
Goldfajn: O BC já implementou um ajuste de juros, que começou em 7,25% e está em 11%. O que ele parece querer dizer é: já fizemos um ajuste considerável, esperem para ver os resultados. Eu entendo que a comunicação é essa, por isso a nossa projeção é que ele deve estar no limiar de interromper o ciclo de alta de juros, que deve ficar entre 11% e 11,25%. No momento, estamos tendo um choque de alimentos, que é um choque de oferta, mas sempre temos de tomar cuidado com os efeitos secundários. A nossa projeção hoje é que a taxa de juros vai ter que chegar a 12,5%, com uma parte desse ajuste sendo feito no ano que vem. A política monetária vai precisar subir os juros no ano que vem em função da inflação que ainda vai estar elevada, sem falar da necessidade do aumento de alguns preços relativos. E é preciso evitar que isso se estenda para o resto da economia.
"É possível que [a inflação] suba um pouco mais antes de baixar. (...) é possível que um mês ou outro ultrapasse a meta"
Valor: Em algum momento vocês esperam que a inflação ultrapasse o teto da meta neste ano?
Goldfajn: Ao longo dos meses é possível que suba um pouco mais para depois baixar. Olhando a base do ano passado, mesmo a inflação caindo nos próximos meses, é possível que um mês ou outro ultrapasse a meta. Na nossa projeção, em dezembro, ela volta para 6,5%.
Valor: A expectativa de inflação ainda é alta, mas o país cresce pouco. Como equilibrar isso?
Goldfajn: Uma boa parte da falta de crescimento vem pelo lado da oferta. Há alguns anos a gente está lidando com a restrição que vem da necessidade de investir mais, aumentar a produtividade. É preciso aumentar o capital humano, com a educação, continuar com os projetos de infraestrutura, tudo isso é o lado da oferta, da construção da capacidade de produzir. Não é mais uma questão de demanda e, por isso, não vejo um "trade-off" [entre crescimento e inflação], ou seja, um pelo outro.
Valor: Falando em produtividade, por que não vemos ainda uma melhora da balança comercial, apesar da desvalorização da taxa de câmbio desde o ano passado?
Goldfajn: Eu acredito no ajuste do câmbio na balança comercial. Quando você olha para as importações excluindo o petróleo, você já observa que estão começando a reagir um pouco a isso. Mas há duas dificuldades que adiam um ajuste mais rápido. Uma é do lado das exportações, que são mais lentas porque dependem da capacidade de conquistar mercados. E para isso é preciso que haja acordos comerciais, que não estão ocorrendo. O segundo fator importante é o petróleo. A balança comercial está sendo impactada pela conta petróleo. E, finalmente, o custo Brasil ainda é alto, o custo unitário do trabalho, em termos de infraestrutura, dificuldade em fazer negócios, alta carga tributária... O câmbio vai ajudar, mas o Brasil tem que ultrapassar esses entraves.
Valor: Com isso, o déficit em conta corrente ainda não melhorou, e está em 3,69% do PIB. Vocês esperam uma redução desse déficit?
Goldfajn: Acho que a conta corrente vai em direção a um déficit menor, desde que você faça os ajustes necessários, entre eles no câmbio, mas também na poupança. Nossa poupança é muito baixa, vai ter de aumentar para não ficar muito dependente da poupança externa. Eu imagino que [um déficit] em conta corrente de algo entre 3% e 7%, mais perto de 4%, possa caminhar ao longo dos anos, três ou quatro anos, com os ajustes necessários, para baixo de 2% ou 1,5% do PIB.
Valor: Temos eleições neste ano. Será um período mais turbulento para os mercados?
Goldfajn: Sempre tem volatilidade nos mercados. Se, de alguma forma, houver indicação de que vai ter ajustes nas políticas, uma âncora para o ano que vem, isso basta. O que hoje é uma âncora sob o ponto de vista do prêmio de risco, dos juros, do câmbio, da bolsa é a percepção de que no ano que vem vai ter um ajuste que faça a política fiscal levar a uma dívida pública estável, que a inflação volte em direção à meta. Se tiver essa percepção, será menos volátil.
Valor: Teremos um ajuste independentemente de qual será o próximo governo?
Goldfajn: Um ajuste será necessário, a intensidade desse ajuste a gente não sabe, e essa é um pouco a dúvida em relação ao ano que vem. Você pode ter um ajuste mínimo necessário para manter as coisas estáveis, como você pode ter ajustes maiores que façam o Brasil retomar o crescimento.
Fonte: Casa das Graças
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