Temos tendência a nos acomodar naquilo que já conhecemos e a automatizar hábitos, deixando de pensar naqueles movimentos que já se tornaram corriqueiros e foram incorporados. Isso nos torna um pouco (ou muito) robôs, com movimentos e ações mecânicos, na maior parte do nosso dia.
Tente lembrar como foi, quando você estava aprendendo alguma atividade que hoje executa automaticamente. Vamos pegar como exemplo o "aprender a dirigir". Lembro-me bem, e lá se vão uns bons 40 anos... Sentei-me ao volante e o instrutor começou:
─ "Acomode-se bem no banco e ajuste a distância e o cinto; regule retrovisores; pegue no volante e na alavanca do câmbio. Com o pé esquerdo, você pisa na embreagem; com o direito, freio e acelerador. Com a mão direita você liga o carro, aciona as setas e o limpador de para-brisas, e passa as marchas; com a esquerda liga lanternas e faróis; com ambas você manobra o volante. Teste as posições das marchas, antes de ligar o carro; deixe em ponto morto. Pronto? Então vamos lá - ligue, engrene a primeira e dirija".
Por pouco não pulei fora do carro. Como é isso?! Então, aquele maluco queria que eu me lembrasse de tudo isso na hora de fazer? E, o que era pior, que eu fizesse tanta coisa com tão poucos membros? Impossível! Impraticável!
Bom, não desci por vergonha ou porque lembrei de que tanta gente havia aprendido aquilo, não seria eu o idiota a fugir da raia. E deu no que deu. Como todo mundo que dirige, pego meu carro, vou e volto do serviço sem nem me dar conta de quais e quantos movimentos fiz. Aliás, se você tentar pensar e decidir a cada gesto, muito provavelmente vai bater seu veículo na porta da garagem.
Este é o processo de aprendizagem: introduz o novo - exercita até memorizar - automatiza.
Quando cai no automático e o corpo sabe e faz o que precisa ser feito, passamos a economizar a energia mental daquela atividade, podendo empregá-la em outro aprendizado. Isso é bom e necessário ou seríamos seres muito limitados.
O problema ocorre quando nos entregamos a esse automatismo e, robotizados, deixamos de questionar nossas práticas, perdendo chances de criar e inovar. A acomodação, e uma boa dose de preguiça, nos leva a todo dia fazer tudo igual, como na música de Chico Buarque. A vida torna-se maçante, a rotina massacra e o tempo escapa entre nossos dedos, absolutamente sem graça.
No trabalho, repetimos as mesmas ações e até as mesmas palavras de ontem. Ao estímulo repetido, reagimos igual, esquecidos de que, assim, vamos colher o mesmo resultado. Aquilo que deveria ser fonte de energia para novas realizações, torna-se coveiro da criatividade e depósito de mediocridade.
No ambiente das empresas (e, penso, no mundo de forma geral) existe pouca gente pensando, e muitos apenas reagindo. Nossas crenças e paradigmas estabelecidos, alimentados, muitas vezes, por chefias endurecidas e alérgicas ao progresso, nos prendem em rotinas impostas e pré-definidas. Isso empobrece muito a vida de quem trabalha e prende a empresa nas teias da conformidade.
Seguir o já estabelecido é fácil, mas a acomodação e a inércia levam à mediocridade. O pensamento não tem fronteiras ou paredes. O desafio é "sair da caixa", romper a repetição; botar na batedeira os mais diversos conhecimentos e experiências; agregar doses generosas de imaginação e ousadia; e preparar a massa de um novo bolo - que estimule nossos sentidos e nos devolva o gosto pela vida, pela experimentação e pelo aprendizado. O desafio é enxergar o que não é óbvio e pode estar oculto aos olhos acomodados da mesmice.
Mesmo que boa parte das nossas tarefas seja repetição de velhas fórmulas, como podemos "repetir diferente"? Parece um paradoxo, mas só parece... O "bom dia" que damos ao vizinho pode ser diferente do que ele nos devolve; e pode ser diferente do mesmo que lhe demos ontem. Vale nossa intenção, colocada na entonação ou na forma como pronunciamos as duas pequenas palavras.
Podemos confeccionar alguma coisa - uma refeição, um biscuit, uma peça de roupa -, copiando um modelo consagrado ou seguindo uma receita ou padrão fixo, ou podemos acrescentar nosso capricho, nosso empenho em fazer bem feito e até mesmo, por que não superar o modelo? Podemos repetir o script traçado, numa ação de call center, por exemplo, mas podemos dar-lhe qualidade e mais efetividade se entendemos seu sentido e propósito, e agregamos nosso esforço para fazer diferença no contexto em que atuamos.
Somos chamados a pensar. E pensar é misturar informações, gerando novas possibilidades e ter a coragem de experimentar, a ousadia para ser original, sem receios do erro ou de fracasso - aprende-se com eles, e muito.
Estamos mergulhados num mar de possibilidades. Nossa preguiça, nosso comodismo e nossa cegueira é que tecem a venda que mantemos sobre os olhos, recusando ver e, daí, damos nossa contribuição para tornar o mundo mais monótono e repetitivo. Podemos optar por reagir a isso, ou seguirmos em frente, chorando e lamentando como bebês a quem recusam a mamadeira.
Muita coisa ainda há para ser criado. O mundo carece de inventores e inovadores. Cabe a cada um abrir a cabeça e por as mãos na massa.
José Lourenço de Sousa Neto
Mestre em Administração, bacharel em Filosofia; com especialização (pós-graduação) em Gestão Estratégica, Gerência de Pequenas Empresas e Controladoria e Finanças Empresariais; formação (extensão) em Psicologia Humanista, Psicologia Transpessoal e Análise Transacional. Estudante de Psicanálise, Gestalt e Eneagrama. Mais de 35 anos de experiência como gestor de empresas, professor, consultor e facilitador de cursos/treinamentos empresariais; coach.
Fonte: RH
http://www.rh.com.br/Portal/Motivacao/Artigo/9045/sair-da-caixa.html#
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