Por Eugênio Mussak
Eu presenciei esta cena: em um bar da intelectualidade curitibana na década de 70, o jovem jornalista Karam, conhecido por escrever peças de teatro underground está sentado sozinho, curtindo seu chope e seu cigarrinho. De repente sua tranquilidade é interrompida por um rapaz que acabara de chegar e que lhe diz:
- Karam, bom te encontrar. Estou com uma peça ótima aqui na cabeça.
- Ah, é – responde o outro – e eu estou com duas aqui em baixo do braço.
A resposta esfriou o ânimo do intruso, e foi uma ótima lição para os jovens que frequentavam o local, todos aspirantes a escritores, dramaturgos, poetas – inclusive eu. Em síntese, o que ele quis dizer foi: “Não me venha com ideias, traga-me logo o que você fez com elas”.
Se você observar com cuidado, em casa, no trabalho, nos bares, o mundo todo está cheio de gente com milhões de ideias que nunca realizam, pessoas que nem se empenham em executar seus planos como se fosse suficiente apenas pensar. Afinal, agir dá trabalho, não é mesmo? E depois vem o desconsolo da falta de reconhecimento. Pois é, o mundo é cruel; aprecia as boas ideias, mas valoriza os resultados. Não bastam boas intenções, é necessário mostrar serviço.
O mais provável é que a maioria das ideias se cristalize na forma de intenção. E intenção sem ação vira enrolação. O mundo está cheio de boas intenções, mas não tem mais paciência com os enroladores. Os filósofos – que são especialistas em ter ideias – também se preocuparam com a questão do agir. Aristóteles, por exemplo, considerado um grande pensador, em várias ocasiões insistiu que é preciso pensar para agir, mas é necessário agir depois de pensar. A ação sem o pensamento é perigosa; o pensamento sem a ação é inócuo. “É fazendo que se aprende a fazer aquilo que se deve aprender a fazer” – disse ele, e acrescentou: “Nós somos aquilo que fazemos repetidamente. Excelência, então, não é um modo de agir, mas um hábito”.
Essas observações, e tantas outras, constam do Ética a Nicômaco, o livro que o grego dedicou a seu filho e que escreveu depois de ter sido professor de Alexandre Magno, que, nessa época já estava em algum lugar entre os Balcãs e a Índia, criando seu império. Esse foi um que não se contentou apenas com ter ideias. Partiu para a execução com a ferocidade de um felino faminto.
O elo perdido
Executar é o segredo. Levantar e partir para a ação, colocando em prática o plano que veio da ideia, mesmo que tal plano esteja repleto de imperfeições. É que o único jeito de corrigi-las é implementar, para então ver o que funciona ou não.
Este assunto é antigo. Percebendo que as pessoas tendem a não ter iniciativa e a ficar esperando que as coisas aconteçam por conta própria, o estatístico americano Walter Shewhart criou, lá na década de 1930, um pequeno diagrama para estimular as pessoas a partir para a ação. Ele deu ao diagrama o nome de Método da Melhoria, mas depois ficou conhecido como Método PDCA, e que ainda é muito utilizado por ser uma ferramenta de fácil compreensão e aplicação.
Trata-se de um círculo cortado por duas linhas em quatro quadrantes de igual tamanho. Em cada quadrante está uma das letras – P, D, C e A. O P está no quadrante superior direito, onde começa o processo – o círculo gira no sentido horário. A virtude deste método simples é que estimula você a agir de forma coordenada: ele recomenda que você planeje (Plan), implemente o plano (Do), verifique se o mesmo é bom (Check) e então o aprimore (Act).
Nas empresas este método é muito conhecido e aplicado. Os gerentes experientes, depois de tentar vários processos mais sofisticados de gestão, reconhecem que a simplicidade do PDCA é sua grande vantagem, pois é fácil de ser compreendido e bastante prático para ser executado. E não é só no mundo empresarial que ele pode ser aplicado, mas também em nossas vidas pessoais. Tudo o que fazemos tem os mesmos componentes: temos uma ideia, nos planejamos para executa-la e partimos para a ação. Se acertamos, ótimo, se erramos, corrigimos o rumo. Pelo menos é assim que deveria ser.
Muito tempo depois, já em nossos dias, o consultor Ram Charan, que foi o primeiro indiano que virou professor em Harvard e, de quebra, guru dos principais executivos dos Estados Unidos, observou que o que falta no mundo não são ideias, e sim atitudes. Ele colocou suas observações em um livro seminal chamado Execução – a disciplina para atingir resultados, e todos concordam que ele acertou em cheio. Desde que foi lançado, em 2004 (Editora Campus Elsevier), o Execução está entre os livros mais lidos, citados e adotados pelos líderes de equipes de trabalho no mundo corporativo. Com justa razão.
Neste livro há uma frase que é repetida quase como um mantra nas empresas: “O elo perdido entre a ideia e o resultado é a atitude”. No mundo corporativo a inovação é vantagem competitiva. Empresas que inovam em seus produtos, serviços e processos se modernizam e crescem. E todos sabem que a inovação depende da criatividade, que começa com a ideia. Entretanto – alertam os mais lúcidos – cuidado com o elo perdido.
Do abstrato para o concreto
Desde que o psicólogo Howard Gardner criou o conceito das Inteligências Múltiplas, não paramos mais de criar novos conceitos de inteligência. Antigamente, o inteligente era o que fazia contas de cabeça, ou o que tinha boa memória, e até o que tinha ideias criativas. Atualmente esse conceito foi relativizado e ampliado. Uma das definições que mais gosto diz: “Inteligência é a capacidade de converter fenômenos abstratos”. Beleza, mas… o que mesmo isso quer dizer?
Então vejamos. Primeiro é necessário entender o que é um fenômeno abstrato, e depois saber no que é que ele tem que se transformar. Mas é simples: abstrato é o que não é concreto. E concreto é tudo o tem matéria, ocupa lugar no espaço, pode ser medido e pesado, e pode ser percebido pelos órgão dos sentidos. O concreto eu posso ver, tocar, agarrar. O abstrato não, mas, cuidado… isso não significa que não exista.
É nisso que reside a maravilha deste conceito. Uma ideia é abstrata, e a inteligência vai se manifestar na capacidade de converter a ideia em algo real. Do abstrato para o concreto. Simples assim. Inteligência é, sim, a capacidade de utilizar as faculdades mentais para produzir benefício. Para ser considerado inteligente não é suficiente ser inteligente, é necessário usar a inteligência.
Falando em inteligência, o filme A rede social, de 2010, que recebeu oito indicações para o Oscar e conta a história da criação do Facebook, está cheio de personagens altamente inteligentes, e é ambientado no compus da Universidade de Harvard e depois no Vale do Silício, na Califórnia, onde a revolução da informática teve início. Importante ressaltar que o filme é inspirado em uma história real, e bem recente.
O roteiro explora as sessões de conciliação em que participavam Mark Zuckenberg, o hacker que criou o Facebook, os gêmeos Cameron e Tyler Winklevoss e seus respectivos advogados. Em resumo, os irmãos acusavam Zuckenberg de ter se apropriado de uma ideia deles. A defesa, por seu lado, argumentava perguntando por que os pretensos donos da ideia do site de relacionamentos não a tinham, afinal, transformado em realidade.
O dilema ético está posto, e pode dar margem a muitas interpretações, mas, como resultado paralelo dessa história, fica a mensagem de que o mérito acaba pertencendo, sim, a quem executa.
Pode ser cruel, mas a História está cheia de exemplos dessa realidade. O próprio filme conta também a história de Sean Parker, que se tornou sócio do Facebook e o ajudou a decolar. Antes ele tinha sido o criador da ideia de que músicas poderiam ser baixadas pela internet, e criou o site Napster, que funcionava mas nunca virou um negócio. Tempos depois, Steve Jobs lançou o iTunes, que revolucionou a indústria fonográfica e que domina esse mercado até hoje. De quem é o mérito?
Talvez por ter aprendido a lição, Parker age diferente quando se junta a Mark, e consegue um investidor que dá fôlego ao grupo e viabiliza o negócio, enquanto o brasileiro Eduardo Savarin, companheiro de primeira hora de Mark, tentava, inutilmente, conseguir patrocínio. Quando este se revolta e alega que foi traído na Califórnia enquanto ralava em New York buscando anunciantes, Mark lhe pergunta: “E quantos conseguiu?”. Como ele não havia conseguido nenhum, teve que calar-se.
Uma longa jornada sempre começa com o primeiro passo, e o primeiro passo é a ideia. Pois é… Uma boa ideia sempre é o começo de tudo, mas é apenas isso: um começo. Para chegar em algum lugar, entretanto, é necessário dar os passos seguintes.
Fonte: Sapiens Sapiens
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