Prevista para entrar em vigor no início de 2012, mudança deve afetar negativamente várias instituições, principalmente as pequenas e médias
19 de dezembro de 2010 0h 00
19 de dezembro de 2010 0h 00
Leandro Modé - O Estado de S.Paulo
Depois de dois fortes e inesperados chacoalhões nos últimos anos - crise global e fraude bilionária no Banco Panamericano -, o sistema financeiro brasileiro tem mais um grande teste pela frente, este com data marcada. Está agendada para o início de 2012 uma mudança de regra contábil pelo Banco Central (BC) que, segundo especialistas, deve afetar negativamente várias instituições, sobretudo as de pequeno e médio portes.
O Estado conversou com várias fontes do setor, inclusive altos executivos de bancos pequenos e médios. Todos afirmam que, se a nova regulamentação entrasse em vigor já, haveria um baque. "O sistema não aguenta", diz uma das fontes. O prazo para a alteração está distante, mas, como se trata de algo espinhoso, será preciso tempo para as instituições se adaptarem - provavelmente o ano de 2011 inteiro.
O problema decorre de uma operação cada vez mais comum no sistema financeiro, chamada cessão de crédito. É quando um banco vende para outro um pacote com milhares ou milhões de empréstimos. Em troca, recebe um valor como pagamento. A principal vantagem de quem adquire as cessões é receber o pacote pronto, sem precisar se esforçar para construí-lo.
Lucro na cabeça. O BC tem uma regra segundo a qual quem cede a carteira pode contabilizar o valor integral da venda como lucro - é o que se chama no setor de "lucro na cabeça". O problema é que, ao longo do tempo, esse lucro não necessariamente se materializa.
Um exemplo prático ajuda a entender a questão: o banco "A" vende para o banco "B" uma carteira de crédito por R$ 100 milhões. Só que essa carteira tem prazo (ou seja, financiamentos dentro dela) de, por suposição, 36, 48, 60 meses, etc.
No entanto, ao longo desses meses/anos todos, pode haver inadimplência, pré-pagamento (quando um cliente não espera a dívida chegar até o fim e a quita antes, algo comum no caso dos empréstimos consignados), etc. Ou seja, o banco "A" não vai embolsar de fato os R$ 100 milhões obtidos na venda e contabilizados em seu balanço como lucro.
O valor exato dependerá de cada caso. No exemplo, pode ser R$ 95 milhões, R$ 85 milhões, R$ 70 milhões, etc. Quanto menos embolsar, maior é o problema potencial para o banco e, por tabela, para o sistema.
Por quê? 1) Porque, à medida que as receitas previstas nos empréstimos originais não se concretizam (de novo, por inadimplência, pré-pagamento ou outros fatores), o banco será obrigado a registrar os prejuízos em seus balanços. Isso é ruim para seus resultados, para seus acionistas e, dependendo da extensão dessas perdas, ruim para seus credores (normalmente outros bancos). 2) Porque o banco normalmente reempresta os R$ 100 milhões originais. Em outras palavras, em parte, a instituição terá concedido créditos em cima de vento, sem base.
O BC reconhece que há uma distorção. Tanto que editou uma resolução, a 3.533. A regulamentação divide as cessões de crédito em dois grupos. No primeiro, a cessão inclui os riscos e benefícios. Em outras palavras, o banco que a vende continua corresponsável por ela até que o último empréstimo seja pago.
O segundo grupo é aquele em que os riscos e benefícios são integralmente transferidos para o banco comprador da cessão. Nesse caso, o cedente não seria impactado por nada relacionado ao pacote de empréstimos. O lucro que contabilizasse na hora da venda seria um lucro real, não um lucro estimado com base nos fluxos futuros de pagamento.
O problema apontado pelo mercado hoje estaria automaticamente resolvido. "O pior pecado é um banco registrar no balanço um lucro que ainda não teve", diz um banqueiro.
Adiada. A 3.533 deveria ter entrado em vigor em janeiro de 2009. Foi adiada por causa da crise global. Passou para janeiro de 2010, mas foi novamente adiada (dessa vez, por causa de mudanças nas regras mundiais de contabilização pela Iasb). Agora, ficou para janeiro de 2012.
O analista de instituições financeiras da Austin Rating, Luís Miguel Santacreu, afirma que, quando a 3.533 entrar em vigor, muitas instituições terão de aumentar o capital para manter o ritmo de concessão de empréstimos. "Os bancos vão ter de achar soluções para isso", observa.
O negócio de cessões de crédito movimenta bilhões por ano, principalmente nos segmentos de consignado e veículos. É impossível saber quanto porque essas operações não são contabilizadas pelo sistema. É por isso que a Federação Brasileira de Bancos anunciou recentemente o desenvolvimento de estudos para criar uma central de informações de cessões de crédito.
Depois de dois fortes e inesperados chacoalhões nos últimos anos - crise global e fraude bilionária no Banco Panamericano -, o sistema financeiro brasileiro tem mais um grande teste pela frente, este com data marcada. Está agendada para o início de 2012 uma mudança de regra contábil pelo Banco Central (BC) que, segundo especialistas, deve afetar negativamente várias instituições, sobretudo as de pequeno e médio portes.
O Estado conversou com várias fontes do setor, inclusive altos executivos de bancos pequenos e médios. Todos afirmam que, se a nova regulamentação entrasse em vigor já, haveria um baque. "O sistema não aguenta", diz uma das fontes. O prazo para a alteração está distante, mas, como se trata de algo espinhoso, será preciso tempo para as instituições se adaptarem - provavelmente o ano de 2011 inteiro.
O problema decorre de uma operação cada vez mais comum no sistema financeiro, chamada cessão de crédito. É quando um banco vende para outro um pacote com milhares ou milhões de empréstimos. Em troca, recebe um valor como pagamento. A principal vantagem de quem adquire as cessões é receber o pacote pronto, sem precisar se esforçar para construí-lo.
Lucro na cabeça. O BC tem uma regra segundo a qual quem cede a carteira pode contabilizar o valor integral da venda como lucro - é o que se chama no setor de "lucro na cabeça". O problema é que, ao longo do tempo, esse lucro não necessariamente se materializa.
Um exemplo prático ajuda a entender a questão: o banco "A" vende para o banco "B" uma carteira de crédito por R$ 100 milhões. Só que essa carteira tem prazo (ou seja, financiamentos dentro dela) de, por suposição, 36, 48, 60 meses, etc.
No entanto, ao longo desses meses/anos todos, pode haver inadimplência, pré-pagamento (quando um cliente não espera a dívida chegar até o fim e a quita antes, algo comum no caso dos empréstimos consignados), etc. Ou seja, o banco "A" não vai embolsar de fato os R$ 100 milhões obtidos na venda e contabilizados em seu balanço como lucro.
O valor exato dependerá de cada caso. No exemplo, pode ser R$ 95 milhões, R$ 85 milhões, R$ 70 milhões, etc. Quanto menos embolsar, maior é o problema potencial para o banco e, por tabela, para o sistema.
Por quê? 1) Porque, à medida que as receitas previstas nos empréstimos originais não se concretizam (de novo, por inadimplência, pré-pagamento ou outros fatores), o banco será obrigado a registrar os prejuízos em seus balanços. Isso é ruim para seus resultados, para seus acionistas e, dependendo da extensão dessas perdas, ruim para seus credores (normalmente outros bancos). 2) Porque o banco normalmente reempresta os R$ 100 milhões originais. Em outras palavras, em parte, a instituição terá concedido créditos em cima de vento, sem base.
O BC reconhece que há uma distorção. Tanto que editou uma resolução, a 3.533. A regulamentação divide as cessões de crédito em dois grupos. No primeiro, a cessão inclui os riscos e benefícios. Em outras palavras, o banco que a vende continua corresponsável por ela até que o último empréstimo seja pago.
O segundo grupo é aquele em que os riscos e benefícios são integralmente transferidos para o banco comprador da cessão. Nesse caso, o cedente não seria impactado por nada relacionado ao pacote de empréstimos. O lucro que contabilizasse na hora da venda seria um lucro real, não um lucro estimado com base nos fluxos futuros de pagamento.
O problema apontado pelo mercado hoje estaria automaticamente resolvido. "O pior pecado é um banco registrar no balanço um lucro que ainda não teve", diz um banqueiro.
Adiada. A 3.533 deveria ter entrado em vigor em janeiro de 2009. Foi adiada por causa da crise global. Passou para janeiro de 2010, mas foi novamente adiada (dessa vez, por causa de mudanças nas regras mundiais de contabilização pela Iasb). Agora, ficou para janeiro de 2012.
O analista de instituições financeiras da Austin Rating, Luís Miguel Santacreu, afirma que, quando a 3.533 entrar em vigor, muitas instituições terão de aumentar o capital para manter o ritmo de concessão de empréstimos. "Os bancos vão ter de achar soluções para isso", observa.
O negócio de cessões de crédito movimenta bilhões por ano, principalmente nos segmentos de consignado e veículos. É impossível saber quanto porque essas operações não são contabilizadas pelo sistema. É por isso que a Federação Brasileira de Bancos anunciou recentemente o desenvolvimento de estudos para criar uma central de informações de cessões de crédito.
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