Tendência é de escassez de dólares, com déficit externo, mas agentes apostaram em queda da cotação
Angela Bittencourt e Eduardo Campos, de São Paulo 28/07/2010
Angela Bittencourt e Eduardo Campos, de São Paulo 28/07/2010
O mercado de câmbio está numa armadilha. Os principais agentes financeiros mantêm posições exacerbadas que conflitam com a tendência da taxa de câmbio e não parece haver saída fácil para evitar prejuízos. Alguém vai perder.
De janeiro até 22 de julho, o saldo cambial positivo já era inferior a US$ 500 milhões - cifra que pode ser zerada por qualquer saída mais forte de moeda. Os exportadores, que seriam provedores naturais de dólares ao mercado, estão mantendo, segundo estimativas de especialistas, algo entre US$ 15 bilhões e US$ 30 bilhões no exterior. Enquanto isso, bancos nacionais e estrangeiros estão sustentando inéditas posições vendidas nos mercados à vista e futuro, apostando na queda do dólar contra o real.
As posições vendidas no mercado à vista rondam US$ 13 bilhões e, no mercado futuro, US$ 8,53 bilhões, levando-se em conta contratos de dólar e cupom cambial -- trata-se da posição mais elevada desde 28 de julho de 2008.
Os exportadores, neste momento, estão usando a prerrogativa legal que lhes permite manter no exterior até 100% de suas receitas, ou porque estão utilizando os recursos para honrar compromissos ou porque o preço do dólar no mercado doméstico não convém para a troca de moeda. Os exportadores poderiam repensar mais rapidamente sua estratégia e internalizar os dólares se a moeda americana subisse, calculam analistas. Mas, se o dólar subir, os vendidos nos mercados à vista e futuro terão prejuízos.
O Banco Central, que já sondou os "dealers" de câmbio sobre a possibilidade de vender os chamados "swaps reversos" (instrumento derivativo com efeito de compra de dólar) e não entrou no mercado, poderá ser forçado a agir, caso os bancos estrangeiros decidam alegar que não possuem mais linhas de crédito para financiar as exportações brasileiras. O risco existe.
O desconforto do mercado vem crescendo sobretudo com a expansão das posições vendidas dos bancos porque o cenário está mudando e pressões para a alta do dólar são identificadas. Cresce também a inquietação com o recado que o BC pode estar mandando ao mercado ao não agir. Um entendimento considerado é que, ao não agir, o BC pode estar sugerindo que o custo de carregamento das posições em câmbio realmente caiu, levando-se em conta um ciclo menor de alta da Selic. Situação em que pode valer a pena ficar vendido.
"O ambiente sugere que o dólar subirá ante o real. Vemos o investimento externo direto cadente, as aplicações em portfólio não são exuberantes e as remessas de lucros e dividendos estão fortalecidas. Portanto, o quadro é de menor ingresso e maior saída de dólares", comenta Sidnei Nehme, diretor da NGO Corretora de Câmbio, para quem não há crise cambial à vista, mas um fluxo cambial que deixou de ser benigno para o país.
João Medeiros, sócio diretor da Pioneer Corretora, concorda que o mercado está numa armadilha e considera que o Banco Central acabará intervindo nos negócios. "Existem duas alternativas. O BC pode vender os swaps reversos (com efeito de compra de dólar futuro) ou vender dólares no mercado à vista. Isso é o que se espera, levando-se em conta as declarações da instituição de que não se preocupa com a taxa de câmbio ou de juro, mas sim em evitar distorções no mercado. Estamos assistindo a uma distorção na taxa que inclusive desfavorece os exportadores", comenta Medeiros.
Mas o que leva ou levou a essa distorção? Entre as teorias, duas se destacam no mercado. Parte dessa forte venda a descoberto de dólar teria sido estimulada pela expectativa com relação ao processo de capitalização da Petrobras, que traria uma enxurrada de dólares ao país. Acontece que o aumento de capital foi postergado de julho para setembro e já pipocaram notícias sobre a possibilidade de um novo atraso para depois do período eleitoral.
A segunda teoria, menos amistosa, considera que o BC teria estimulado a formação das posições vendidas no mercado futuro. O raciocínio aqui é o seguinte: ao seguir comprando dólares dentro de um ambiente de fluxo cambial negativo, o BC força a montagem de posições vendidas (em última análise, isso ajuda a controlar a inflação via câmbio). O fluxo cambial acumulado no ano, até 16 de julho, mostra resultado positivo de US$ 1,33 bilhão. No entanto, as compras do BC no mercado à vista totalizam, no mesmo período, US$ 14,70 bilhões. Portanto, o que ficou no mercado é uma conta negativa de US$ 13,37 bilhões - não por acaso, número quase idêntico à posição vendida dos bancos no mercado à vista.
Uma das estratégias dos vendedores é tomar dólares no mercado externo a um custo baixo, vender essa moeda para o BC nas intervenções à vista - afinal ele é comprador de última instância- e utilizar os reais para dar crédito ou investir em juros, por exemplo. Ou seja, os bancos encontraram uma forma barata de captar reais. Mas, para que essa operação seja bem sucedida, os bancos têm que valorizar o real para rentabilizar sua posição vendida, ou seja, no final das contas, ao comprar mais dólares que o fluxo, o BC dá uma força aos bancos e indiretamente fomenta a valorização do real.
A sensação do próprio mercado é de que essa estratégia chegou no seu limite. Os bancos parecem saber desse estreito potencial de valorização do real e mostram que não querem ampliar, ainda mais, a posição vendida. Sinal claro disso foi dado na semana passada quando o BC comprou apenas US$ 116 milhões nos leilões à vista.
O que os bancos precisam, agora, é de fluxo de dólares para zerar essa posição. Como conseguir isso? Uma possibilidade é deixar a taxa apreciar para que os exportadores tragam moeda de fora, viabilizando o início da zeragem de posições dos vendidos. O problema é que esses vendidos terão prejuízo. Se nada acontece, ou seja, a moeda segue ao redor de US$ 1,75 a US$ 1,76, a demanda por dólar sobe e, consequentemente, seu preço aumenta, o que, novamente, resulta em prejuízo para os bancos.
No mercado futuro, os estrangeiros já pedem "socorro" para sair ou reduzir a posição vendida. Daí os relatórios comentando a necessidade do swap reverso. A ideia aqui é utilizar o BC como comprador de moeda para ampliar a posição vendida e, com isso, derrubar a cotação para posteriormente zerar a posição a um preço mais barato.
Como o BC fica no meio disso tudo? Pode vender os swaps e "ajudar" os investidores estrangeiros a sair da posição ou vender moeda à vista e "ajudar" a cobrir as posições dos bancos nacionais. Qualquer que seja a escolha, o BC estará sujeito a críticas por estar premiando tomadores de risco ou especuladores. A estratégia recomendada por alguns especialistas é o BC ficar quieto e sair até do mercado à vista. Afinal, se o mercado se meteu nessa confusão, nada mais justo que encontre uma saída.
De janeiro até 22 de julho, o saldo cambial positivo já era inferior a US$ 500 milhões - cifra que pode ser zerada por qualquer saída mais forte de moeda. Os exportadores, que seriam provedores naturais de dólares ao mercado, estão mantendo, segundo estimativas de especialistas, algo entre US$ 15 bilhões e US$ 30 bilhões no exterior. Enquanto isso, bancos nacionais e estrangeiros estão sustentando inéditas posições vendidas nos mercados à vista e futuro, apostando na queda do dólar contra o real.
As posições vendidas no mercado à vista rondam US$ 13 bilhões e, no mercado futuro, US$ 8,53 bilhões, levando-se em conta contratos de dólar e cupom cambial -- trata-se da posição mais elevada desde 28 de julho de 2008.
Os exportadores, neste momento, estão usando a prerrogativa legal que lhes permite manter no exterior até 100% de suas receitas, ou porque estão utilizando os recursos para honrar compromissos ou porque o preço do dólar no mercado doméstico não convém para a troca de moeda. Os exportadores poderiam repensar mais rapidamente sua estratégia e internalizar os dólares se a moeda americana subisse, calculam analistas. Mas, se o dólar subir, os vendidos nos mercados à vista e futuro terão prejuízos.
O Banco Central, que já sondou os "dealers" de câmbio sobre a possibilidade de vender os chamados "swaps reversos" (instrumento derivativo com efeito de compra de dólar) e não entrou no mercado, poderá ser forçado a agir, caso os bancos estrangeiros decidam alegar que não possuem mais linhas de crédito para financiar as exportações brasileiras. O risco existe.
O desconforto do mercado vem crescendo sobretudo com a expansão das posições vendidas dos bancos porque o cenário está mudando e pressões para a alta do dólar são identificadas. Cresce também a inquietação com o recado que o BC pode estar mandando ao mercado ao não agir. Um entendimento considerado é que, ao não agir, o BC pode estar sugerindo que o custo de carregamento das posições em câmbio realmente caiu, levando-se em conta um ciclo menor de alta da Selic. Situação em que pode valer a pena ficar vendido.
"O ambiente sugere que o dólar subirá ante o real. Vemos o investimento externo direto cadente, as aplicações em portfólio não são exuberantes e as remessas de lucros e dividendos estão fortalecidas. Portanto, o quadro é de menor ingresso e maior saída de dólares", comenta Sidnei Nehme, diretor da NGO Corretora de Câmbio, para quem não há crise cambial à vista, mas um fluxo cambial que deixou de ser benigno para o país.
João Medeiros, sócio diretor da Pioneer Corretora, concorda que o mercado está numa armadilha e considera que o Banco Central acabará intervindo nos negócios. "Existem duas alternativas. O BC pode vender os swaps reversos (com efeito de compra de dólar futuro) ou vender dólares no mercado à vista. Isso é o que se espera, levando-se em conta as declarações da instituição de que não se preocupa com a taxa de câmbio ou de juro, mas sim em evitar distorções no mercado. Estamos assistindo a uma distorção na taxa que inclusive desfavorece os exportadores", comenta Medeiros.
Mas o que leva ou levou a essa distorção? Entre as teorias, duas se destacam no mercado. Parte dessa forte venda a descoberto de dólar teria sido estimulada pela expectativa com relação ao processo de capitalização da Petrobras, que traria uma enxurrada de dólares ao país. Acontece que o aumento de capital foi postergado de julho para setembro e já pipocaram notícias sobre a possibilidade de um novo atraso para depois do período eleitoral.
A segunda teoria, menos amistosa, considera que o BC teria estimulado a formação das posições vendidas no mercado futuro. O raciocínio aqui é o seguinte: ao seguir comprando dólares dentro de um ambiente de fluxo cambial negativo, o BC força a montagem de posições vendidas (em última análise, isso ajuda a controlar a inflação via câmbio). O fluxo cambial acumulado no ano, até 16 de julho, mostra resultado positivo de US$ 1,33 bilhão. No entanto, as compras do BC no mercado à vista totalizam, no mesmo período, US$ 14,70 bilhões. Portanto, o que ficou no mercado é uma conta negativa de US$ 13,37 bilhões - não por acaso, número quase idêntico à posição vendida dos bancos no mercado à vista.
Uma das estratégias dos vendedores é tomar dólares no mercado externo a um custo baixo, vender essa moeda para o BC nas intervenções à vista - afinal ele é comprador de última instância- e utilizar os reais para dar crédito ou investir em juros, por exemplo. Ou seja, os bancos encontraram uma forma barata de captar reais. Mas, para que essa operação seja bem sucedida, os bancos têm que valorizar o real para rentabilizar sua posição vendida, ou seja, no final das contas, ao comprar mais dólares que o fluxo, o BC dá uma força aos bancos e indiretamente fomenta a valorização do real.
A sensação do próprio mercado é de que essa estratégia chegou no seu limite. Os bancos parecem saber desse estreito potencial de valorização do real e mostram que não querem ampliar, ainda mais, a posição vendida. Sinal claro disso foi dado na semana passada quando o BC comprou apenas US$ 116 milhões nos leilões à vista.
O que os bancos precisam, agora, é de fluxo de dólares para zerar essa posição. Como conseguir isso? Uma possibilidade é deixar a taxa apreciar para que os exportadores tragam moeda de fora, viabilizando o início da zeragem de posições dos vendidos. O problema é que esses vendidos terão prejuízo. Se nada acontece, ou seja, a moeda segue ao redor de US$ 1,75 a US$ 1,76, a demanda por dólar sobe e, consequentemente, seu preço aumenta, o que, novamente, resulta em prejuízo para os bancos.
No mercado futuro, os estrangeiros já pedem "socorro" para sair ou reduzir a posição vendida. Daí os relatórios comentando a necessidade do swap reverso. A ideia aqui é utilizar o BC como comprador de moeda para ampliar a posição vendida e, com isso, derrubar a cotação para posteriormente zerar a posição a um preço mais barato.
Como o BC fica no meio disso tudo? Pode vender os swaps e "ajudar" os investidores estrangeiros a sair da posição ou vender moeda à vista e "ajudar" a cobrir as posições dos bancos nacionais. Qualquer que seja a escolha, o BC estará sujeito a críticas por estar premiando tomadores de risco ou especuladores. A estratégia recomendada por alguns especialistas é o BC ficar quieto e sair até do mercado à vista. Afinal, se o mercado se meteu nessa confusão, nada mais justo que encontre uma saída.
Valor Econômico
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