
Já que o natal está chegando vou postar um texto antigo (2001), mas, na minha opinião, muito atual.
Um Feliz Natal a TODOS!!!
Vladmir Almeida
Natal. Que Natal?
Que Natal podemos celebrar sob o
abatimento que se estabeleceu nas consciências humanas devido ao terrorismo
fundamentalista e o terrorismo da guerra que o Ocidente leva ao Afeganistão? Não
será o Natal do lirismo tradicional, reforçado pela propaganda comercial. Será
outro, mas, quem sabe, mais próximo ao Natal histórico do Filho de Deus nascido
em terra dos atuais palestinos em Belém.
Jesus nasceu fora de casa, entre
animais, numa manjedoura "porque não havia lugar para sua família na
estalagem". O evangelista João diz com infinita tristeza: "veio para
o que era seu e os seus não o receberam". Desde o início está definida sua
missão: estar do lado dos sem terra, sem teto, dos sem lugar social. A eles
dirige primeiramente sua mensagem. Identifica-se com eles, como se diz na
parábola do juízo final. Do ventre dos pobres Jesus continua nascendo, o
libertador das gentes. Eles são a manjedoura onde ele repousa permanentemente.
Eles possuem muitos rostos ontem e hoje.
Em nosso pais são milhões de crianças
abandonadas, tantas quantas toda a população da América Central. São os 52
milhões que passam fome. São os sofredores de rua, pivetes que sobrevivem de
pequenos furtos. São as milhões de meninas que se prostituem para ajudar em
casa. São cerca de 40 milhões de negros que carregam no corpo e na alma o
estigma da discriminação. São os sobreviventes indígenas expulsos das terras
que sempre foram suas. São os milhões de sem-terra que, como Abraãos, andam por
aí errantes em busca de terra para morar e trabalhar. São os operários
empobrecidos, que se julgam ainda privilegiados por ser explorados pelo sistema
do capital a preço de uma carteira de trabalho assinada e dos parcos benefícios
da previdência social.
São todos esses, tidos por zeros
econômicos, os esquecidos de nossa memória nacional, que são os irmãos e as
irmãs mais pequeninos do Filho de Deus, encarnado em nossa miséria. Eles
gritam: "Queremos viver. Queremos ser gente. Nós também somos filhos e
filhas de Deus. Até quando, Senhor, até quando nos fazes esperar a tua vinda e,
com ela, a tua justiça, a tua ternura, a tua paz"?
No Natal este lamento lancinante foi
escutado. Deus deixa sua luz inacessível e seu mistério sacrossanto e vem morar
no meio dos humilhados e ofendidos. Fez-se criança que choraminga entre o boi e
o asno. E lhes faz entender: “Vocês são meus irmãos e irmãs, filhos e filhas do
Pai querido. Quero ser para vocês o Emanuel, o Deus conosco. Eu enxugarei todas
as lágrimas de seus olhos. Serei a vida e o direito que buscam. Meu nome é
Jesus, o Deus-libertador, alegria para todo o povo".
Passei por Belém de Judá e ouvi um
sussurro terno. Era a voz de Maria embalando o filhinho:" Sol, meu filho,
como posso cobrir-te de panos? Como vou amamentar-te, tu, que nutres a toda
criatura"? E José, perplexo, exclamava: "Como pode? Como pode ter
forma de criança aquele que deu forma a todos os seres? Como pode fazer-se
pequeno na Terra quem é grande no Céu? Como pode o estábulo conter aquele que contém
todo o universo? Como podem seus bracinhos estarem enfaixados, se seu braço
governa a Terra e o Céu? Como pode"?
Eis que apareceram no presépio
"a bondade e o amor humanitário de nosso Deus". Agora não se trata
mais do Deus de quem se dizia: Grande é o nosso Deus, infinito o seu poder.
Agora vale: Pequeno é o nosso Deus, infinito é o seu amor. Ele não temeu a
matéria. Revestiu-se dela. Não receou a condição humana, por vezes trágica e
sob muitos aspectos, absurda. Entrou inteiro nela para nunca mais sair dela.
Por isso, apesar das tribulações e angústias do tempo presente podemos ainda
celebrar, reunir a família, tomar a ceia e trocarmos presentes. Para milhares,
por causa da solidariedade humanitária, haverá comida na mesa e alegria nos
olhos.
Irmãos e irmãs, nesse dia olhemos
para nossos morros, para nossos pobres na rua. Olhemos fundo: eles estão
grávidos de Jesus Cristo que suplica nascer de novo mediante a solidariedade, a
com-paixão e a fraternura.
De nada vale Jesus nascer em Belém
Se não nascer em ti de novo. Não o busques no além. Faça-o nascer do povo.
Leonardo Boff
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