O ajuste deve ser feito logo, antes que seja imposto por ataques especulativos.
André Nassif
15/10/2010
A decisão de aumentar o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre influxos de capitais estrangeiros destinados a aplicações em títulos de renda fixa demonstra, ainda que timidamente, que as autoridades econômicas reconhecem a importância da taxa de câmbio como uma das variáveis macroeconômicas mais estratégicas para o desenvolvimento econômico. O presidente do Banco Central (BC), a propósito, mudou de discurso, pois há poucos meses vinha sustentando que o "câmbio flutuante é para flutuar" e, sendo assim, o déficit em conta corrente se encarregaria, mais cedo ou mais tarde, de promover o ajustamento cambial desejado.
No entanto, tal ajustamento não é automático nem tampouco suave pois, antes que ele ocorra, a sobrevalorização da moeda por longo período terá deteriorado a competitividade doméstica, destruído o setor exportador de manufaturados, amplificado os déficits em conta corrente, cujo "grand finale" é sempre uma crise cambial aguda
André Nassif
15/10/2010
A decisão de aumentar o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre influxos de capitais estrangeiros destinados a aplicações em títulos de renda fixa demonstra, ainda que timidamente, que as autoridades econômicas reconhecem a importância da taxa de câmbio como uma das variáveis macroeconômicas mais estratégicas para o desenvolvimento econômico. O presidente do Banco Central (BC), a propósito, mudou de discurso, pois há poucos meses vinha sustentando que o "câmbio flutuante é para flutuar" e, sendo assim, o déficit em conta corrente se encarregaria, mais cedo ou mais tarde, de promover o ajustamento cambial desejado.
No entanto, tal ajustamento não é automático nem tampouco suave pois, antes que ele ocorra, a sobrevalorização da moeda por longo período terá deteriorado a competitividade doméstica, destruído o setor exportador de manufaturados, amplificado os déficits em conta corrente, cujo "grand finale" é sempre uma crise cambial aguda
Se a sobrevalorização da moeda nacional causa tamanhos danos micro e macroeconômicos, é preciso agir, utilizando os instrumentos mais apropriados e eficazes para conter a referida tendência e contribuir efetivamente para o seu ajustamento, antes que este venha a ser imposto por ataques especulativos que levam a paradas súbitas de capitais e superdepreciações ("overshooting"). Para tanto, é necessário entender as forças que mais têm contribuído para a sobrevalorização cambial no Brasil. Em estudo econométrico feito em coautoria com Carmem Feijó e Marco Antonio da Silveira ("Why does real exchange rate overvalue in Brazil?"), a ser apresentado no próximo Congresso da Anpec, decompusemos, seguindo a literatura teórica, os determinantes da taxa de câmbio real no Brasil em variáveis de longo prazo e em variáveis responsáveis pelo seu desalinhamento no curto prazo.
Com base em dados mensais referentes ao período fevereiro de 1999 a fevereiro deste ano, nosso estudo concluiu que o elevado diferencial de juros interno em relação ao internacional tem sido a variável com maior peso relativo e nível de significância para explicar a enorme sobrevalorização do real brasileiro. O resultado não surpreende, já que, reforçado pelas apostas dos investidores estrangeiros de que a moeda continuará apreciando, o enorme diferencial de juros tem sido o principal atrativo para os volumosos influxos líquidos de capitais estrangeiros de curtíssimo prazo em busca de ganhos especulativos por arbitragem.
Com base em dados mensais referentes ao período fevereiro de 1999 a fevereiro deste ano, nosso estudo concluiu que o elevado diferencial de juros interno em relação ao internacional tem sido a variável com maior peso relativo e nível de significância para explicar a enorme sobrevalorização do real brasileiro. O resultado não surpreende, já que, reforçado pelas apostas dos investidores estrangeiros de que a moeda continuará apreciando, o enorme diferencial de juros tem sido o principal atrativo para os volumosos influxos líquidos de capitais estrangeiros de curtíssimo prazo em busca de ganhos especulativos por arbitragem.
A metodologia empregada permitiu também estimar econometricamente os níveis de desalinhamento mensais da taxa de câmbio real no Brasil desde 1999. Os resultados apresentados no gráfico captam com relativa precisão o comportamento volátil da taxa de câmbio real no Brasil ao longo da década, período durante o qual o país tem convivido com um regime de câmbio flutuante e elevada liberalização financeira externa.
É notório que os episódios de abrupta e violenta depreciação da moeda brasileira em termos reais ocorreram nos momentos em que os mercados, em resposta a choques internos ou externos, tiveram mudanças repentinas de expectativas com relação à tendência anterior de apreciação, a exemplo daqueles ocorridos entre meados de 2002 e 2003 e, mais recentemente, no final de 2008, com a eclosão da crise global.
Haja vista os efeitos deletérios dessa irrefreável tendência de sobrevalorização, resta perguntar: o que fazer? É preciso reconhecer que, no contexto do atual regime de política macroeconômica, que combina câmbio flutuante, metas de inflação e liberdade para o movimento de capitais, o espaço de política é bastante estreito para a promoção do realinhamento cambial. Como mostrou o economista Robert Mundell, há 40 anos, a lógica macroeconômica somente torna possível escolher dois entre os três objetivos de política (estabilidade cambial, estabilidade de preços e liberalização financeira externa). Curiosamente, os países asiáticos vêm, desde 1997, contornando com relativo êxito, pelo menos até o ano passado, a "trindade impossível" de Mundell, mediante uma agressiva política de compra de reservas. Justamente por isso, pode-se afirmar que os asiáticos (exceto China) praticam, antes que um regime de flutuação suja, um regime de cambio flutuante administrado. Ou seja, inventaram um novo regime cambial.
No caso brasileiro, bem que temos tentado lançar mão desse artifício, mas não na mesma intensidade dos asiáticos. De fato, como nossa dívida interna está fortemente concentrada no curto prazo e as taxas de juros básicas são extremamente elevadas para padrões internacionais, compras maciças de reservas internacionais no Brasil implicam elevado crescimento da dívida pública interna. Como a redução das taxas de juros não poderá se efetivar na rapidez e magnitude requeridas para conter novas entradas de capitais de curto prazo, só resta ao país decidir, antes que seja tarde, pelo controle quantitativo dos novos influxos de capitais estrangeiro de curto prazo. O aumento da alíquota de IOF para 4% sobre influxos de capitais destinados a investimento em carteira de títulos de renda fixa dificilmente deterá a avalanche apreciativa do real por uma razão simples: independentemente do elevadíssimo diferencial de juros, enquanto os investidores estrangeiros continuarem apostando que o real seguirá sendo a moeda mais rentável do mundo, esta seguirá apreciando. Isso posto, cabe às autoridades econômicas brasileiras aplicarem mecanismos mais eficazes de restrição quantitativa (por exemplo, "quarentena" de um ano para aplicações estrangeiras em títulos de renda fixa - os ativos acionários poderiam ser excetuados), medida que, embora pareça radical, tem sido defendida até mesmo pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Basta acessar seu website (http://www.imf.org/) e buscar seus recentes estudos de membros de sua equipe sobre o tema. Do contrário, no médio prazo, teremos de assistir, impassíveis, à depreciação imposta a fórceps pelo mercado.
É notório que os episódios de abrupta e violenta depreciação da moeda brasileira em termos reais ocorreram nos momentos em que os mercados, em resposta a choques internos ou externos, tiveram mudanças repentinas de expectativas com relação à tendência anterior de apreciação, a exemplo daqueles ocorridos entre meados de 2002 e 2003 e, mais recentemente, no final de 2008, com a eclosão da crise global.
Haja vista os efeitos deletérios dessa irrefreável tendência de sobrevalorização, resta perguntar: o que fazer? É preciso reconhecer que, no contexto do atual regime de política macroeconômica, que combina câmbio flutuante, metas de inflação e liberdade para o movimento de capitais, o espaço de política é bastante estreito para a promoção do realinhamento cambial. Como mostrou o economista Robert Mundell, há 40 anos, a lógica macroeconômica somente torna possível escolher dois entre os três objetivos de política (estabilidade cambial, estabilidade de preços e liberalização financeira externa). Curiosamente, os países asiáticos vêm, desde 1997, contornando com relativo êxito, pelo menos até o ano passado, a "trindade impossível" de Mundell, mediante uma agressiva política de compra de reservas. Justamente por isso, pode-se afirmar que os asiáticos (exceto China) praticam, antes que um regime de flutuação suja, um regime de cambio flutuante administrado. Ou seja, inventaram um novo regime cambial.
No caso brasileiro, bem que temos tentado lançar mão desse artifício, mas não na mesma intensidade dos asiáticos. De fato, como nossa dívida interna está fortemente concentrada no curto prazo e as taxas de juros básicas são extremamente elevadas para padrões internacionais, compras maciças de reservas internacionais no Brasil implicam elevado crescimento da dívida pública interna. Como a redução das taxas de juros não poderá se efetivar na rapidez e magnitude requeridas para conter novas entradas de capitais de curto prazo, só resta ao país decidir, antes que seja tarde, pelo controle quantitativo dos novos influxos de capitais estrangeiro de curto prazo. O aumento da alíquota de IOF para 4% sobre influxos de capitais destinados a investimento em carteira de títulos de renda fixa dificilmente deterá a avalanche apreciativa do real por uma razão simples: independentemente do elevadíssimo diferencial de juros, enquanto os investidores estrangeiros continuarem apostando que o real seguirá sendo a moeda mais rentável do mundo, esta seguirá apreciando. Isso posto, cabe às autoridades econômicas brasileiras aplicarem mecanismos mais eficazes de restrição quantitativa (por exemplo, "quarentena" de um ano para aplicações estrangeiras em títulos de renda fixa - os ativos acionários poderiam ser excetuados), medida que, embora pareça radical, tem sido defendida até mesmo pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Basta acessar seu website (http://www.imf.org/) e buscar seus recentes estudos de membros de sua equipe sobre o tema. Do contrário, no médio prazo, teremos de assistir, impassíveis, à depreciação imposta a fórceps pelo mercado.
André Nassif é professor do departamento de Economia da Universidade Federal Fluminense e economista do BNDES.
Valor Econômico
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